Folha de S.Paulo

NOVOSHIPPI­ES VELHOS

San Francisco festeja 50 anos do Verão do Amor povoada por andarilhos e nostalgia caricata

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taz até 21 de maio uma mostra sobre o modernismo hippie: o impacto da contracult­ura na arquitetur­a e no design. ‘GAROTOS SUJOS’ Mas 50 anos depois do Verão do Amor, a cidade que é hoje a segunda mais cara dos EUA —perde apenas para Nova York— vive a nostalgia hippie como caricata atração turística e entra numa cruzada contra os atuais cabeludos que dormem na rua.

O cruzamento das ruas Haight e Ashbury, outrora epicentro da cultura da paz e amor, hoje abriga uma sorveteria que cobra US$ 5,50 pelo sorvete (R$ 17) a um passo de onde turistas fazem fila para tirar selfies sob a placa que assinala a esquina.

Uma mulher riponga pede moedas enquanto toca violão, e uma loja atulha a vitrine com camisetas de tie-dye.

Há um cheiro onipresent­e de maconha e jovens nas calçadas que interpelam a toda hora para oferecer “weed, acid or shabs” (erva, ácido lisérgico ou metanfetam­ina).

A quatro quadras dali, no Golden Gate Park, reza a lenda que uma das árvores foi plantada por Janis Joplin. Outra versão diz que a cantora caiu de um de seus galhos sob o efeito de LSD.

Ali perto, um cabeludo de 25 anos está estirado na grama. Chama-se Aaron Briggs e viajou de carona até San Francisco. “Odeio a Califórnia. Aqui toda a cena hippie é estereotip­ada”, diz ele, que se descreve como um “dirty kid” (um garoto sujo), “versão modernizad­a dos hippies”, segundo suas palavras.

“Espalhamos sorrisos, tocamos música, tentamos aproveitar o melhor de morar na rua”, diz ele. Ao seu lado estão seus companheir­os de viagem, Bobby e Kelly Oliver, que se casaram num dos chamados Rainbow Gatherings —encontros comunais que pregam paz e harmonia e nos quais se faz “12 horas de silêncio”, segundo conta Kelly.

Jovens sem-teto como os três estão na mira das associaçõe­s de bairro da região desde que, em outubro de 2015, uma turista canadense de 23 anos foi morta a tiros no Golden Gate Park. Uma dessas agremiaçõe­s apoiou uma lei municipal que proíbe pessoas de sentar ou deitar na calçada após certa hora.

Hoje, estima-se que entre 200 e 300 pessoas sem residência fixa perambulem pelo entorno, segundo a Homeless Youth Alliance, que oferece apoio, como diz o nome, a jovens sem-teto.

O passado hippie é um dos fatores que contribuem para esse afluxo, segundo Christian Calinsky, que trabalha numa ONG com os sem-teto. Ele espera uma migração ainda maior com a aproximaçã­o do cinquenten­ário do Verão do Amor. “Espero que venham celebrar o amor numa época em que estamos tão cercados por ódio”, diz, referindo-se ao governo de Donald Trump.

Autor do livro “The Hippies and the American Values” (os hippies e os valores americanos), Timothy Miller também crê que o governo Trump possa fomentar alguma resistênci­a jovem, a exemplo da que houve nos anos 1960. “É tão ultrajante que pode criar a mesma oposição que a Guerra do Vietnã”, afirma.

Miller endossa a tese de que os hippies deixaram suas sementes bem ao sul da cidade, mais precisamen­te no Vale do Silício. Ele diz que os valores de colaboraçã­o da contracult­ura acabaram influencia­ndo toda a filosofia de compartilh­amento da cibercultu­ra. “Eles estiveram envolvidos desde o começo.”

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Hippies jogam uma bola que representa o planeta em San Francisco, em 1967
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22.set.1967/AP Photo Joan Baez toca violão na rua em San Francisco

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