Folha de S.Paulo

Brasil precisa entender a China atual

- RONALDO LEMOS

SE TEM uma coisa que quem trabalha com política pública no Brasil precisa fazer é parar de se informar sobre a China a partir da perspectiv­a da imprensa norte-americana. O único jeito de entender o país é vendo de perto como ele funciona. Em outras palavras, é preciso “guanxi”, termo que indica o costume chinês de só confiar em uma pessoa depois de ter tido um encontro pessoal com ela.

A China está deixando de ser o “chão de fábrica” do planeta para se tornar um país gerador de design e propriedad­e intelectua­l. Há uma forte reorientaç­ão em busca de inovação ocorrendo.

O país já ocupa o segundo lugar no número de patentes registrada­s, ficando atrás apenas dos EUA. Em nanotecnol­ogia, a China já está no primeiro. Em patentes de robótica, está em segundo, só atrás do Japão.

A China se tornou o país do WeChat, aplicativo criado pela empresa local Tencent. Ele é difícil de descrever. Funciona como rede social, mensageiro eletrônico, app de transporte urbano, de paquera e meio de pagamento. É impression­ante ver que quase ninguém usa mais dinheiro ou cartão. Todo pagamento é feito por celular com o WeChat. Inclusive quando alguém manda dinheiro para outra pessoa (o app se integra à conta bancária diretament­e).

Se o Brasil quiser ter uma política externa capaz de alavancar o desenvolvi­mento nacional, um bom passo é bater às portas da China para cooperar em ciência e tecnologia. As Universida­de de Pequim e Tsinghua ambicionam ser a Harvard e a Stanford chinesas. Os campi estão cercados de empresas de tecnologia. O iCenter de Tsinghua funciona como o laboratóri­o de novas técnicas de manufatura e está aberto a colaboraçã­o internacio­nal. Lá é possível ver impressora­s 3D capazes de imprimir um carro de uma vez, supercompu­tadores e programado­res especializ­ados em bitcoin e blockchain.

Já a Academia Yenchin da Universida­de de Pequim tem sistematic­amente acolhido estudantes brasileiro­s interessad­os em construir pontes com a China, tal como a paulistana Lais Sachs. Ela e seis outros acabam de criar uma associação dos estudantes brasileiro­s espalhados pela China. Deveriam ganhar uma medalha da embaixada brasileira.

Brasil e China foram (e continuam sendo) dois grandes beneficiár­ios do sistema da OMC. Isso em si já consiste em um ponto de cooperação entre os dois países, em especial neste momento de crescente reprovinci­alização do comércio.

Além disso, o Brasil tem a ambição de deixar de ser apenas um gigantesco mercado consumidor de tecnologia para se tornar produtor. Para isso, o papel do Estado como indutor de inovação é essencial. Nesse sentido, é importante a construção de um Plano Nacional de Internet das Coisas (iniciativa da qual, vale dizer, faço parte). Só nesse setor já há grande espaço de cooperação.

Nenhum país se desenvolve isoladamen­te. China e Brasil eram economias agrárias nos anos 1970. Só um deles reverteu esse quadro. RONALDO LEMOS

A China está deixando de ser o ‘chão de fábrica’ para virar um gerador de design e propriedad­e intelectua­l

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