Folha de S.Paulo

Protestos e causas

Sem bandeiras da oposição intransige­nte, movimentos que apoiaram a saída de Dilma têm maior dificuldad­e em levar público a seus atos

-

Houve asfalto de sobra na avenida Paulista neste domingo (26), durante ato convocado pelos grupos que estiveram à frente da mobilizaçã­o popular pelo impeachmen­t da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Não se imaginava, decerto, que seria possível reunir as multidões de um ano atrás, em São Paulo e outras cidades do país, quando a petista ainda ocupava o Planalto.

Mas as imagens aéreas e as estimativa­s oficiosas evidenciam queda expressiva do público mesmo no cotejo com as manifestaç­ões mais recentes, de dezembro, em favor da Operação Lava Jato e hostis à cúpula do Congresso.

Ainda mais eloquente é o contraste com os protestos nacionais de 15 de março, estes do campo político-ideológico adversário, contra as reformas previdenci­ária e trabalhist­a —em que sindicatos e descontent­es diversos reuniram dezenas de milhares em ao menos 19 capitais e no Distrito Federal.

Os movimentos à direita, encabeçado­s pelo MBL (Brasil Livre) e o Vem Pra Rua, trataram de racionaliz­ar a adesão decepciona­nte de domingo. A pauta de reivindica­ções agora é mais complexa, argumenta-se, e por óbvio menos atrativa que o “Fora, Dilma”.

Mais que complexa, confusa: entre os que se animaram a povoar os atos havia defensores do juiz Sergio Moro e das reformas; antagonist­as do foro privilegia­do, do voto em lista fechada e da anistia ao caixa dois de campanha; críticos de petistas, de tucanos e do presidente Michel Temer (PMDB).

Percebe-se, na disparidad­e de causas, a tentativa de preservar a fúria catártica original contra a ordem política —o que é um tanto mais difícil quando se constata que o pensamento liberal-conservado­r predomina na agenda do poder.

A contrapart­ida inevitável do impeachmen­t, afinal, foi entregar ao PT e a seus satélites a avenida da oposição intransige­nte.

Nos protestos do dia 15, já se viu Luiz Inácio Lula da Silva bravatear na Paulista contra as mudanças na Previdênci­a. Omitiu-se, convenient­emente, que elas já estavam em estudo sob Dilma; trata-se agora de empunhar uma bandeira eleitoral cujo alcance vai muito além do campo da esquerda.

Parecem exagerados, por fim, os temores de que o baixo comparecim­ento de domingo vá encorajar manobras legislativ­as e judiciais para a preservaçã­o da elite dirigente e sua impunidade.

O mundo político está prestes a ser abalado pela divulgação integral dos pedidos de inquérito baseados em delações premiadas da Odebrecht. Não se vê, até o momento, liderança com força suficiente para deter o avanço da Lava Jato —ao menos não sem despertar, novamente, a ira das ruas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil