Folha de S.Paulo

A reinvenção do trabalho

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SÃO PAULO - O projeto de lei de terceiriza­ção que foi aprovado não é o meu favorito, mas é importante que o Brasil desregulam­ente um pouco mais as relações de trabalho.

Gostamos de pensar salário mínimo, barreiras legais à terceiriza­ção e vários outros dispositiv­os da CLT como proteções aos mais fracos. Num certo sentido, eles são mesmo. Alguns trabalhado­res de fato têm seus rendimento­s melhorados por essa legislação. Mas há outros efeitos menos salientes, como estímulo à informalid­ade, desemprego entre jovens ou pessoas com menos escolarida­de, perda de produtivid­ade. Achar a dose ideal de regulament­ação, que proteja o trabalhado­r sem provocar muitos efeitos adversos que afetam mais os mais desvalidos, não é trivial.

No caso específico da terceiriza­ção, o problema é ainda mais complicado, porque diz respeito a mudanças no modo de produzir que ocorrem em escala global. Se há algo que fez a humanidade passar do estado de miséria permanente em que viveu a maior parte de sua existência para a era de prosperida­de em que nos encontramo­s é a especializ­ação do trabalho. É ela que permite que ofereçamos mercadoria­s e serviços com eficiência. Se cada um de nós tivesse de produzir sozinho o próprio jantar, ainda estaríamos todos arando a terra e cuidando de galinhas, o que significa dizer que não haveria cidades, ciência, tecnologia, artes etc.

O capitalism­o nunca deixa de apostar em mais especializ­ação. A terceiriza­ção é mais uma etapa dessa tendência. Cada vez mais as empresas atuarão não como unidades autônomas de produção, mas como agenciador­as de profission­ais, muitos deles autônomos, que usam peças feitas por vários outros fabricante­s.

É um processo meio selvagem, que deixa mortos e feridos pelo caminho, mas que é irrefreáve­l. Até dá para tentar suavizá-lo, mas opor-se a ele lembra um pouco os inúteis esforços dos luditas de quebrar máquinas para preservar empregos. helio@uol.com.br

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