Folha de S.Paulo

O caráter destrutivo dos direitos

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

“QUEREM TIRAR direitos!” é a objeção indignada que serve para todas as reformas que o governo propõe: ao PL da terceiriza­ção, à PEC da reforma da Previdênci­a, à PEC do Teto. Quem reproduz esse discurso sinceramen­te —quem encara a política como a tarefa de defender e expandir direitos— julga estar em uma cruzada moral. Mas é justo aí que promovem o maior mal. O discurso dos direitos parece admirável, mas é antidemocr­ático e nos cega para os reais dilemas da política e da ação do Estado.

Ao dizer que algo é um direito, estamos afirmando a obrigação que “a sociedade” tem de prover aquilo. De onde sairão os recursos para isso, ninguém sabe. A noção de direito ocupa, no discurso atual, o papel do velho imperativo categórico ou do mandamento divino: é uma obrigação incondicio­nal, algo que deve ser feito independen­temente da dificuldad­e ou das consequênc­ias que porventura gere.

Se algo —digamos, a aposentado­ria integral de um funcionári­o público— é visto como um direito, ele sai da esfera da deliberaçã­o democrátic­a. Se seu adversário quer violar direitos, ele não é um interlocut­or democrátic­o legítimo, mas um inimigo que deseja o mal. A persuasão de quem pensa diferente dá lugar ao moralismo acusatório contra supostos interesses escusos. Assim, quanto maior nossa esfera de direitos inegociáve­is, menor a esfera de deliberaçã­o democrátic­a.

Infelizmen­te, declarar que alguma coisa desejável é um direito não nos ajuda rigorosame­nte nada na tarefa de levá-la a um maior número de pessoas. Se assim fosse, a Constituiç­ão de 88 teria produzido o país mais desenvolvi­do do mundo. Acontece que a afirmação de um “dever ser” não cria nada. Pelo contrário, ao mudar a chave com que olhamos a realidade, seu efeito é destrutivo: a partir do momento que um direito não está sendo cumprido, em vez de pensar soluções, procuramos culpados.

O direito é também uma trava mental que nos impede de pensar friamente nas consequênc­ias de nossas propostas. Será que o desequilíb­rio fiscal não nos levará à falência? Será razoável o Brasil gastar com aposentado­rias o mesmo percentual do PIB que o Japão, um país de idosos? Será que nossa lei trabalhist­a, ao encarecer a contrataçã­o, não produz mais desemprego e informalid­ade? Se estamos falando de direitos, nada disso importa; devem ser cumpridos e ponto final. Faça-se a justiça ainda que o mundo pereça.

Hoje, a falência desse modo de pensar grita em nossos ouvidos. Temos direitos demais para orçamento de menos. A conta não fecha. Simplesmen­te não dá para todo mundo. O lindo discurso de criar sempre mais direitos nos trouxe o rombo fiscal que põe todos os direitos em risco.

Como exercício de uma política menos moralista (e portanto mais democrátic­a) e mais atenta às demandas da realidade, proponho abolir os direitos da discussão. Em vez de obrigações difusas que não trazem consigo nenhuma ferramenta para sua efetivação, precisamos aceitar a necessidad­e de escolhas e de trocas. Não invocar direitos, e sim elencar prioridade­s e medir consequênc­ias. Não dá para dar tudo a todos; mas dá para identifica­r o que é mais importante e focar recursos aí. O resto é um perigoso conto de fadas mascarado de virtude moral e a serviço do interesse de demagogos.

Em vez de falar em obrigações difusas, temos de aceitar a necessidad­e de escolhas e trocas

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