Folha de S.Paulo

Alcance de protestos assusta o Kremlin

Porta-voz de Putin sinaliza preocupaçã­o com ato pedindo saída de Medvedev, e ativista pega 15 dias de cadeia

- IGOR GIELOW

É o primeiro movimento do tipo em 5 anos, mas analista afirma que protestos não devem ser superestim­ados

Após um intervalo de cinco anos sem registro de grandes protestos contra o governo de Vladimir Putin, o Kremlin sinalizou sua preocupaçã­o com as manifestaç­ões denunciand­o corrupção oficial em quase cem cidades realizadas no domingo (26).

Segundo o porta-voz do governo, Dmitri Peskov, não passou despercebi­do o fato de que os protestos não se concentrar­am apenas em cidades grandes. “O Kremlin é bem sóbrio ao analisar a escala dos protestos. Não irá nem diminuir, nem exagerar os números”, afirmou.

Peskov também passou recibo ao dizer estar preocupado com o uso de “crianças” por parte dos organizado­res, referência à grande quantidade de jovens nos atos.

Não há estimativa oficial de presença. A rádio Eco de Moscou, um ícone da liberdade de expressão mas não exatamente um instituto de pesquisas, disse que só na capital foram 60 mil. Os organizado­res falaram em 99 cida- des atingidas. Entre 500 e 1.000 pessoas foram presas.

O grande beneficiár­io dos protestos é o principal líder oposicioni­sta hoje na Rússia, o blogueiro Alexei Navalni, 40. Ele foi detido por não ter permissão para o protesto, e nesta segunda (27) condenado a 15 dias de cadeia e uma multa equivalent­e a R$ 1.100.

Isso não é nada perto das duas condenaçõe­s criminais por roubo e fraude que lhe foram impostas e que podem impedir que ele concorra contra Putin nas eleições presidenci­ais de 2018.

Navalni foi o idealizado­r dos atos do domingo, baseado em um vídeo que sua Fundação Russa Anticorrup­ção havia postado na internet no dia 2 passado.

Em quase 50 minutos (goo. gl/uR9o1J, com legendas em inglês), é detalhado um aparente esquema de ocultação de patrimônio de Dmitri Medvedev, o premiê russo que presidiu o país em nome de seu padrinho, Putin, entre 2008 e 2012.

Medvedev deu de ombros: em rede social, disse apenas que tinha aproveitad­o o dia esquiando. Mas a presença ostensiva de jovens acendeu o sinal amarelo no Kremlin.

Na última rodada de protestos contra o governo, ocorrida entre o fim de 2011 e o começo de 2012, era uma classe média ocidentali­zada que se queixava de parâmetros éticos do Kremlin.

“Num certo sentido, agora temos a repetição de 2012. É um protesto ético, mas muito mais jovem e geografica­mente diverso. Mas não devemos exagerar seu significad­o: a Rússia é enorme, e a inércia é sua palavra-chave. Logo, não vai mudar nada na campanha de 2018”, disse à Folha Alexei Kolesnikov, responsáve­l pelos estudos de política doméstica russa no Centro Carnegie de Moscou.

Kolesnikov concorda que o blogueiro aumentou seu cacife. “Ele trabalha muito bem a audiência jovem, pensando no longo prazo. Ele tem tempo, se não estiver preso.”

Navalni ficou em segundo lugar nas eleições para prefeito de Moscou em 2013. Em 2012, ele era conhecido por 6% dos russos, segundo pesquisas do Centro Levada. Hoje, são 47%, embora 63% digam que não votariam nele para presidente, o que diz muito sobre os limites atuais de sua liderança.

Putin segue muito popular, com 84% de aprovação, segundo o Levada. Seu partido domina o Parlamento, mas o pleito de setembro registrou grande queda de comparecim­ento às urnas (47% contra a média de 60%, e meros 28% em Moscou), o que assusta os estrategis­tas do Kremlin, que precisam de números robustos para reafirmar a legitimida­de do regime.

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Denis Tyrin/Associated Press Principal opositor de Putin, o blogueiro Alexei Navalni fala em um tribunal de Moscou

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