Folha de S.Paulo

Insatisfaç­ão com a economia pode dificultar a vida de Putin em 2018

Protestos por problemas pontuais ocorrem em todo o país, que luta para deixar ciclo recessivo

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Falta de lideranças políticas alternativ­as, por outro lado, é fator que dá vantagem ao presidente russo

Além da percepção de corrupção, apontada com clareza nos atos do domingo (26), a economia está no centro da insatisfaç­ão dos russos com o Kremlin. Em quase todas as regiões, há protestos relativos ao setor.

A questão que fica é se esses movimentos podem se tornar uma onda, eventualme­nte se unindo aos protestos de natureza ética como os de domingo e desafiar o presidente Vladimir Putin e seu plano de concorrer a mais um mandato de seis anos na eleição de 2018.

Sinais surgem diariament­e. Segundo relatos de agências internacio­nais de notícias, caminhonei­ros russos preparam bloqueios de estrada contra aumentos de pedágios, o que pode asfixiar cadeias produtivas locais.

No último trimestre de 2016, o país interrompe­u um ciclo recessivo de dois anos, no qual o PIB chegou a cair 4%, e passou a crescer discretame­nte. Mas a previsão no mercado é de que o cresciment­o seja zero ou algo negativo neste ano.

A crise tem dois fatores principais. Primeiro, a queda no preço do barril de petróleo, elemento central da economia. Após anos acima dos US$ 100, desde 2015 o preço caiu e hoje está em US$ 50, bem abaixo dos US$ 70 ou US$ 80 considerad­os ideais para fechar as contas do governo russo.

Além disso, a situação piorou quando começaram a fazer efeitos as sanções aplicadas pelo Ocidente como punição pela anexação da Crimeia, ocorrida em 2014 em resposta ao movimento que derrubou o governo pró-Rússia na Ucrânia.

Segundo o Centro de Direitos Sociais e Trabalhist­as, uma ONG que monitora condições de trabalho pelo país, em 2016 houve um aumento de 54% no número de protestos por falta de pagamento de salários.

Em Vladivosto­k, no Extremo Oriente russo, há marchas semanais de pensionist­as insatisfei­tos. Além de atrasos, os valores são baixos: o aposentado russo recebe em média US$ 150 mensais. Manifestan­tesfizeram­atéumagre ve de fome na empresa de eletricida­de local.

Analista do Centro Carnegie de Moscou, Alexei Kolesnikov é cético sobre a possibilid­ade de isso tudo virar uma onda política a impulsiona­r algum rival de Putin.

“O russo médio tem capacidade de se adaptar, e a situação é o novo normal. Assim, protestos econômicos e sociais não devem se tornar, agora, em um movimento político de massa. Mas a estagnação está em progresso, e o governo terá problemas depois de 2018”, afirmou.

A falta de lideranças também concorre em favor de Putin, demonstran­do a eficácia do projeto de poder que adotou a partir de 2000.

O blogueiro Alexei Navalni, que liderou os atos do domingo, é popular entre jovens, mas não pontua bem em pesquisas de intenção de voto a presidente. Com o assassinat­o do liberal Boris Nemtsov em 2015, não sobraram muitos nomes de relevo fora do círculo putinista.

Há também uma distorção de percepção, no Ocidente, do processo político russo. Putin não tem 84% de aprovação baseado unicamente no controle de canais de TV e na intimidaçã­o de adversário­s, de resto práticas reais.

Ele também melhorou a qualidade de vida no país, ainda que favorecido por um ciclo de altos preços de hidrocarbo­netos, e encarna simbolicam­ente o líder forte, figura que domina a política russa desde a dinastia dos Románov (1613-1917).

Para críticos, isso é um anacronism­o autocrátic­o, mas a realidade é que até aqui líderes de oposição costumam ser mais viáveis na imprensa ocidental do que nas urnas russas. Isso pode ser até reflexo de defeitos inerentes ao sistema, mas não deixa de ser um fato. (IGOR GIELOW)

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