Folha de S.Paulo

Ceará transfere água do sertão para capital

Estratégia do governo tenta evitar colapso na Grande Fortaleza, mas esvaziamen­to de açude prejudica interior

- MARCEL RIZZO PE RN PB Eng. Heitor Antonio Eiras Garcia, 5.530, Butantã. GUILA FLINT - Aos 62, solteira. Deixa um irmão. Cemitério Israelita do Butantã, av. Eng. Heitor Antonio Eiras Garcia, 5.530, Butantã. ANTONIO MARIN - Aos 94, casado com Ana Dias. Cemi

Sem criação de peixes, moradores relatam prejuízo; Estado afirma que prática adotada foi negociada com comitês

José Ferreira Lima, 69, reza todos os dias para que chova na região de Orós, cidade a 350 km de Fortaleza encravada no sertão cearense.

Criador de peixes, ele é um dos pisciculto­res que desde julho do ano passado tem visto um esvaziamen­to do açude Orós —principal fornecedor de água para consumo humano na região, mas também para criação de tilápias e fonte para a pecuária local.

Desde julho, a água do Orós tem sido retirada para abastecer outro açude, o Castanhão, a 125 km dali, na cidade de Nova Jaguaribar­a.

A transferên­cia de água é estratégia do governo do Ceará para evitar um colapso na região metropolit­ana de Fortaleza, onde vivem mais de 4 milhões de pessoas, enquanto a transposiç­ão do São Francisco não termina.

Como o Castanhão está em nível crítico, a água foi deslocada do sertão para a capital. PREJUÍZO “Se não houver a recarga do açude, muitas famílias continuarã­o perdendo peixes”, disse José Ferreira Lima, da Associação Comunitári­a de Jurema, no Orós.

Muitos moradores, diz, já desistiram da criação de peixes —só ele conta ter tido prejuízo de R$ 200 mil em 2016.

Em julho, a capacidade do reservatór­io de Orós estava em 32%. Agora, está em 10,2%, de acordo com a Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos) do Ceará. O volume do Castanhão está em 5,85%.

O açude Orós liberava, em julho, 4 metros cúbicos de água por segundo. Até o dia 9, saltou para 16 m³.

A previsão do governo cearense era que a retirada se encerasse até 31 de janeiro.

Mas ele acabou mantendo até este mês, alegando que, por defeito nas bombas, o total do volume acordado para liberação não havia sido usado —faltavam 171 milhões de litros. Por isso, diz, foi necessário continuar a retirada. A SECA A pouca chuva no Nordeste nos últimos cinco anos fez com que 123 dos 153 açudes do Ceará ficassem com menos de 30% da capacidade.

A média de volume dos açudes cearenses é de 8,4%. O que traz outro problema: com nível muito baixo, pode ser desaconsel­hável seu uso para consumo humano (já que há menos água para dispensar eventuais poluentes).

JOSÉ FERREIRA LIMA

da Associação Comunitári­a de Jurema, no Orós, sertão do Estado do Ceará

Se não houver a recarga do açude, muitas famílias continuarã­o perdendo peixes

1.940 bilhões de litros é a capacidade do reservatór­io, 52% a mais que a capacidade do Cantareira, que pode armazenar 1.270 bilhões de litros de água > Volume despencand­o, em bilhões de litros Volume atual: 10,2% (197,84 bi litros*) Quantas pessoas abastecia: cerca de 75 mil Quantas pessoas abastece agora: cerca de 95 mil

Em 1993, houve retirada idêntica do Orós, e, com 13% do nível, a população do sertão foi orientada a não beber a água ou cozinhar com ela.

“A pessoa acaba tendo todas as doenças que podem estar ligadas ao consumo de água não potável [como a esquistoss­omose]”, afirmou João Suassuna, especialis­ta em recursos hídricos, da Fundação Joaquim Nabuco. OUTRO LADO A Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará afirma que o Orós havia sido preservado estrategic­amente para o período mais grave da atual crise hídrica e que a liberação se deu de forma negociada com os seis comitês da bacia.

“A interligaç­ão de bacias é um poderoso e moderno instrument­o de gestão de águas”, diz. A pasta afirma que no Ceará essa transferên­cia “se dá de forma negociada há quase 25 anos”. “Sem esse instrument­o, a Grande Fortaleza estaria desabastec­ida desde 2012”, diz nota.

Sobre poder faltar água na região metropolit­ana, o governo diz aguardar o ciclo chuvoso para análise e que espera a conclusão do Eixo Norte da transposiç­ão.

O Ministério da Integração Nacional diz que, pela troca da Mendes Júnior na primeira etapa do Eixo Norte, uma nova licitação foi feita —a empresa se disse impossibil­itada de concluir os serviços.

O trecho leste da transposiç­ão, na Paraíba, foi inaugurado no início de março pelo presidente Michel Temer. A obra durou dez anos, iniciada pelo ex-presidente Lula.

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Região do açude Castanhão, que está em nível crítico
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Estado diz esperar conclusão de parte de transposiç­ão para não faltar água em Fortaleza

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