Folha de S.Paulo

Mostra revê estética dos Panteras Negras

Desenhos e cartazes de Emory Douglas, guru visual da militância negra, refletem violência do conflito racial nos EUA

- SILAS MARTÍ

Iconografi­a do grupo dos anos 1960 inspira o atual Black Lives Matter e vive revival diante de novas tensões na era Trump

“Estamos armados e não temos medo.” Isso que Emory Douglas, o homem por trás da identidade visual dos Panteras Negras, chamou de “advertênci­a à América” serve de legenda à imagem de um negro segurando uma metralhado­ra, o dedo no gatilho.

Tudo nesse pôster, um dos muitos trabalhos do designer agora no Sesc Pinheiros, é preto e branco, a não ser um adesivo no braço do personagem que diz “autodefesa” e o cano amarelo neon de sua arma.

Essa linguagem incendiári­a, tanto na retórica quanto nas cores, era um eco da arte pop que vivia seu auge nos Estados Unidos na década de 1960, mesma época em que surgiu o grupo de resistênci­a armada que lutava pelos direitos dos negros naquele país.

Douglas tinha acabado de estudar publicidad­e em San Francisco quando conheceu Bobby Seale, um dos líderes dos Panteras. Fez o cartaz de um evento em 1967 e então foi escalado para pensar toda a iconografi­a do grupo, do jornal que passou a circular no mesmo ano aos cartazes das campanhas pela libertação de seus militantes presos.

“Foi um momento muito radical na história dos Estados Unidos”, diz Douglas. “E nossa missão com o jornal era contar a história dos negros a partir da perspectiv­a dos negros.”

Nesse sentido, a segregação racial das ruas americanas ressurgia com ainda mais brutalidad­e nas páginas do “The Black Panther” —os negros com feições exageradas e caricatura­is, de lábios grossíssim­os e cabelos black power, e os brancos transforma­dos em agentes opressores, em especial os policiais, sempre retratados como porcos.

Douglas também fazia questão de desenhar seus personagen­s usando o uniforme do partido —jaqueta de couro e boinas inspiradas em Che Guevara. Suas figuras, em chave maniqueíst­a, eram vistas ou como vítimas maltrapilh­as ou heróis messiânico­s, armados até os dentes.

“Quando alguém se filiava aos Panteras, primeiro lia livros e só depois pegava em armas. E nem todos andavam armados”, diz Douglas. “A gente falava em fazer revolução, em mudar as coisas, mas a patrulha armada que fazíamos estava de acordo com a Constituiç­ão americana. As armas então viraram parte da estratégia do movimento.”

Nessa mesma pegada feroz, a pantera mascote do grupo se transformo­u nas mãos de Douglas. Escolhido para fazer frente ao galo, símbolo de grupos de supremacis­tas brancos no sul dos Estados Unidos, o felino começou um tanto rechonchud­o até se tornar cada vez mais musculoso e arisco no traço quase escultural do artista.

Ele conta, aliás, que criava seus desenhos da mesma forma que entalhava a madeira para fazer gravuras antes de entrar para o jornal dos Panteras, daí a rigidez dos traços que parecem saltar das páginas em altíssimo contraste.

Mesmo criada no calor do movimento sessentist­a, essa estética aguerrida não morreu. Os Panteras Negras são a maior fonte de inspiração do Black Lives Matter, ou vidas negras importam, movimento atual de luta pela igualdade racial nos Estados Unidos.

Beyoncé, que apoia o grupo, aliás, esteve à frente do momento mais midiático desse revival da iconografi­a dos Panteras Negras. No ano passado, ela levou bailarinas vestindo boinas pretas e faixas com balas de metralhado­ra ao show do intervalo do Super Bowl, um dos maiores eventos esportivos do mundo.

Na visão de Douglas, a experiênci­a dos Panteras volta a ser relevante nesses momentos de intolerânc­ia. “A violência está em alta e isso fortalece os extremista­s”, diz o artista. “Era só uma ilusão acreditar que já estávamos num momento pós-racista do país.” QUANDO de ter. a sáb., 10h30 às 21h30; dom., até 18h30; até 4/6 ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400 QUANTO grátis

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À esquerda e à direita, cartazes criados por Emory Douglas para os Panteras Negras; no meio, capa de uma edição do jornal ‘The Black Panther’, que o artista ilustrava para o grupo

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