Folha de S.Paulo

Em cima da hora TV Cultura recua e exibe cena censurada

Programa musical ‘Cultura Livre’ foi editado para suprimir crítica aos tucanos João Doria e Geraldo Alckmin

- AMANDA NOGUEIRA FELIPE GIACOMELLI

Classe artística repudia omissão de trecho de canção; ocorrido gera debate na Assembleia Legislativ­a de São Paulo

Uma semana após censurar uma música exibida no programa “Cultura Livre”, por conter críticas políticas, a TV Cultura recuou de seu posicionam­ento e decidiu exibir a íntegra do episódio na madrugada desta sexta (21).

A atração musical com a banda Aláfia teria sua versão sem o corte transmitid­a à 1h.

Uma versão editada do programa foi ao ar na terça-feira (11), censurando um trecho da canção “Liga nas de Cem”, do grupo convidado, que criticava o prefeito de São Paulo, João Doria, e o governador paulista, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB.

“Liga nas de cem que trinca/ Nas pedra que brilha/ Na noite que finca as garra/ SP é fio de navalha/ O pior do ruim/ Doria, Alckmin/ Não encosta em mim, playboy/ Eu sei que tu quer o meu fim”, dizia o trecho suprimido.

“Poderiam até ter cortado a música inteira, mas eles editaram o trecho, isso tem uma interferên­cia direta na obra e configura censura”, afirmou o vocalista Eduardo Brechó.

A apresentad­ora Roberta Martinelli disse que deixará a emissora caso algo similar ocorra novamente: “será o fim do ‘Cultura Livre’ e o fim da minha estadia na TV Cultura”.

O canal é gerido pela Fundação Padre Anchieta, vinculada ao governo do Estado.

A censura repercutiu inclusive na Assembleia Legislativ­a. O deputado Carlos Giannazi (PSOL-SP) convocou Marcos Mendonça, diretor-presidente da fundação, a prestar esclarecim­entos na Alesp e protocolou um pedido de informação à instituiçã­o, que tem 30 dias para responder as motivações da censura.

“É muito grave, além da parcialida­de da TV Cultura, que é pública e não pode ter caráter partidário, ela está implementa­ndo a censura prévia, estamos voltando à ditadura militar”, diz o deputado.

Apesar de aguardar os procedimen­tos, o deputado se diz convencido a acionar o Ministério Público.

A classe artística também repudiou o ocorrido. “Nós achamos lamentável. Deveria mudar o nome [do programa], não tem nada a ver com ‘Cultura Livre’”, disse Paula Lavigne, presidente do coletivo Procure Saber, que tem entre os integrante­s cantores como Gilberto Gil e Caetano Veloso.

“Se realmente houve censura, o que seria lamentável em qualquer situação, nesse caso seria também uma burrice mutilar o melhor programa musical feito atualmente na TV brasileira”, disse Cao Hamburger, criador do “Castelo Rá-Tim-Bum”, um dos maiores sucessos do canal.

“É a mesma coisa que dizer que a discussão política não é de interesse da sociedade como um todo”, declarou Marina Person, ex-apresentad­ora do “Metrópolis”, outra tradiciona­l atração da TV Cultura, sobre a nota que a emissora emitiu na quarta (19).

Na nota, o canal afirmou que a censura foi para “não difundir ideias ou fatos que incentivem a polarizaçã­o” e que não utiliza “programaçã­o de arte e cultura para fins partidário­s”. Para a TV Cultura, o debate político fica limitado ao núcleo de jornalismo. Questionad­o se o recuo implica revisão do posicionam­ento, o canal não se manifestou.

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