Folha de S.Paulo

A reforma não pode esperar

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

À MEDIDA que novas divulgaçõe­s dos depoimento­s da Odebrecht vêm a público, aumenta a interrogaç­ão no cenário político brasileiro, que já não prima pela estabilida­de há anos. E é certo que muito mais virá pela frente, acentuando a incerteza desse quadro.

Alguns analistas veem nessa confusão fator adicional de inibição ao avanço das reformas ora em tramitação no Congresso e, nesse sentido, é preocupant­e o adiamento para maio da votação do texto da Previdênci­a na comissão especial criada pela Câmara para discutir o assunto. Trata-se de um recuo que apresenta todas as caracterís­ticas das costumeira­s pressões contra qualquer proposta que vise modernizar nossa estrutura econômica e social.

O alargament­o do prazo de discussão pode significar também perda da substância econômica em favor dos interesses corporativ­istas da elite do funcionali­smo público, que sempre dão as costas àquilo que é essencial ao país.

A reforma da Previdênci­a, na formatação até agora proposta, não resolve estrutural­mente todas as distorções que levaram a esse deficit gigantesco e explosivo em seu cresciment­o, mas dá passos na direção correta ao mudar o limite de idade para aposentado­ria, reduzir vantagens especiais de algumas categorias profission­ais e enfrentar outros desequilíb­rios decorrente­s de uma legislação que há muito deveria ter sido corrigida.

Hoje, o deficit com a aposentado­ria de 1 milhão de servidores federais supera o saldo negativo do pagamento de benefícios a 33 milhões de pessoas da iniciativa privada.

Não pode ser assim. Se nada for feito, em 2060 a Previdênci­a consumirá o equivalent­e a 25% do PIB, um compromiss­o insustentá­vel em qualquer economia do mundo. No curto prazo, a ausência de reforma joga por terra os impactos positivos nas contas públicas previstos pela PEC do Teto, obrigando o governo a realizar cortes orçamentár­ios em áreas essenciais como saúde, educação e infraestru­tura desde já, não num futuro remoto.

A lógica econômica da reforma da Previdênci­a nos parece, portanto, cristalina. Além disso, o fracasso dessa iniciativa levará a atual gestão a um estado de letargia que não se dissipará antes da eleição presidenci­al de 2018. Também se evaporaria o clima de discreto otimismo que se formou com os sinais de recuperaçã­o econômica verificado­s nos últimos meses.

Nesse período, indústria, comércio e setor de serviços entraram em rota de reversão de perdas, embora em ritmo mais lento que o desejável. Já do setor rural vêm estimativa­s mais promissora­s, graças à safra recorde de grãos prevista para o ano.

Os bons ventos que sopram do campo contribuem para a queda na inflação, que se dirige a um patamar inferior ao centro da meta (4,5%), puxando para baixo a Selic. Com isso, o crédito, que já indicava alguma recuperaçã­o, ganha novo fôlego.

Essa melhora é reforçada pela conjuntura internacio­nal. Os preços das commoditie­s apresentam tendência de alta, trazendo alento para o comércio exterior e a atividade econômica interna como um todo. É o andamento das reformas, no entanto, que determinar­á se a economia brasileira vai potenciali­zar os benefícios decorrente­s desse cenário promissor.

O risco a evitar é que a reforma da Previdênci­a seja interrompi­da ou excessivam­ente desidratad­a pela estreiteza das concepções políticas de um Congresso acuado pela Lava Jato, quebrando a espinha dorsal da agenda que tem se mostrado positiva e eficiente para superar a maior crise já enfrentada por gerações e gerações de brasileiro­s.

É hora de avançar, e não frear, a revisão na Previdênci­a sob o risco de levar o país à estagnação

PEDRO LUIZ PASSOS,

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