Folha de S.Paulo

Ação militar na Coreia é improvável, afirma embaixador

Para diplomata brasileiro, titular em Pyongyang entre 2012 e 2016, erro pode, contudo, levar a uma ‘tragédia’

- IGOR GIELOW

Posição chinesa é central para entender os próximos passos na crise entre a gestão Trump e a ditadura Kim

Embaixador do Brasil na Coreia do Norte entre 2012 e 2016, Roberto Colin se diz “surpreso” com a mudança na retórica americana sobre o país asiático.

“Eu creio, contudo, que uma ação militar é uma impossibil­idade de lado a lado, mas uma falha humana, um erro de avaliação, pode levar a uma tragédia”, afirmou.

Para o diplomata, 64 anos de idade e 36 de Itamaraty, tão importante quanto entender a renovada resolução do governo americano sob Donald Trump é esclarecer as intenções da China.

O presidente do país, Xi Jinping, vem pressionan­do o ditador Kim Jong-un desde que reuniu-se com seu colega americano há duas semanas. A partir daquele momento, os EUA passaram a ameaçar mais abertament­e Pyongyang e os sinais públicos da ditadura chinesa contra Kim se intensific­aram.

“É preciso entender que garantia Xi recebeu. A China sempre preferiu o statu quo como está, tolerando uma Coreia do Norte nuclear, do que ver uma guerra que a inundaria de refugiados ou uma unificação sob o comando do Sul capitalist­a, que traria soldados americanos para suas fronteiras”, afirma.

Os Estados Unidos têm estacionad­os na Coreia do Sul 28,5 mil militares. Na prática, o regime comunista do Norte, estabeleci­do após o cessar-fogo inconcluso da Guerra da Coreia em 1953, serve de tampão para Pequim.

O embaixador concorda, contudo, que algo mudou na posição chinesa. “Não acho que eles vão querer aniquilar economicam­ente o regime, mas são os únicos que podem fazer isso”, diz, lembrando que todo o petróleo e quase todo o fluxo comercial do regime vêm do aliado ao norte.

Desde que mandou executar um tio, militar de alto escalão que representa­va um polo alternativ­o de poder, em 2013, Kim parece ter eliminado oposição potencial interna, que poderia ascender com apoio chinês.

“Agora a elite local vive amedrontad­a, pois não parece haver possibilid­ade de um pouso suave para o regime”, diz o diplomata.

Isso dito, afirma Colin, o interesse dos norte-coreanos é negociar diretament­e com os EUA, e não com prepostos. “São os americanos que podem levantar as sanções contra o regime”, diz.

Hoje titular da embaixada em Tallinn, na Estônia, Colin teve no posto uma posição privilegia­da para observar a ditadura, e destoa dos lugares-comuns geralmente associados ao país.

“A Coreia do Norte é de fato atrasada no campo, mas Pyongyang vive um boom imobiliári­o, por exemplo”, afirma ele. “A única coisa realmente socialista lá é o nome do país. Está tudo mais para uma seita religiosa, embora de natureza laica.”

Segundo ele, “40% da economia está nas mãos privadas, e há gente com dinheiro, uma elite tolerada pela liderança e que não quer a queda do regime porque todos perderiam com isso”.

Em sua avaliação, também é incorreta a ideia de que o regime seja liderado por loucos. “São tudo, menos irracionai­s ou suicidas. Ação militar não faz nenhum sentido. Há preocupaçã­o com o líder, pois é jovem (33 anos), afoito, e pode cometer erros”, diz.

As armas nucleares de Pyongyang servem, na visão do diplomata, mais para manter coesão interna e apoio à ditadura numa sociedade empobrecid­a do que para de fato ameaçar os vizinhos.

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