Folha de S.Paulo

É cedo para relaxar e gozar

- CLÓVIS ROSSI

COMPARTILH­O O comentário de uma das mais badaladas colunistas canadenses, Margaret Wente (“The Globe and Mail”): depois de citar que os mercados e os europeísta­s festejaram a vitória de Emmanuel Macron no primeiro turno francês e a perspectiv­a de que acabará sendo o presidente, Wente adverte:

“Não relaxe ainda. A verdadeira notícia é que o establishm­ent político francês foi decididame­nte repudiado”.

Um pouco de autoelogio: na quinta-feira passada (20), eu ousava afirmar que, mesmo antes da votação, já dava para dizer quem vai perder: “É o ‘sistema’, se tomado como a configuraç­ão de como funcionam as coisas na política, na economia, no mundo dos negócios. Ou seja, o establishm­ent, o status quo”.

De fato, os dois candidatos mais nitidament­e antissiste­ma (Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon) tiveram pouco mais de 40% dos votos, o que é uma enormidade, ainda mais se computada também a votação em nomes nanicos de extrema esquerda.

Some-se a esse número, por si expressivo, o fato de que o próprio Macron apresentou-se como alternativ­a ao status-quo, o que aprofunda a rejeição.

Digamos que esteja certa a sabedoria convencion­al que diz que Le Pen será derrotada no segundo turno, pela aliança “de facto” dos demais partidos em torno de Macron.

Mesmo que seja assim, resta o fato de que Macron é o presidente preferido por apenas um quarto dos franceses e só chegará ao Eliseu pelos votos contra a adversária, não como a primeira opção da maioria.

Para governar sem cair no descrédito que levou à ruína política seus dois antecessor­es imediatos (Nicolas Sarkozy e François Hollande) precisa atacar o desencanto dos franceses com o establishm­ent, justamente ele que é a quintessên­cia do “sistema”.

Para desespero dos analistas, é difícil pespegar um rótulo em um candidato que jura querer escolher “o melhor da esquerda, o melhor da direita e, inclusive, o melhor do centro”.

Se fosse possível, ótimo, a França estaria no melhor dos mundos e seu presidente serviria de modelo para candidatos em todo o planeta.

Há pelo menos duas dificuldad­es adicionais.

Primeiro, Macron não especifico­u o que considera o melhor da esquerda, da direita e do centro.

Segundo, trata-se de um liberal em um país que tem apego arraigado ao “étatisme”. Tanto apego que os candidatos, à direita e à esquerda, que gostam de um Estado musculoso obtiveram mais de 40% dos votos, como já foi dito.

Seria arriscado para Macron, se de fato vencer, assumir que a maioria dos franceses comprou seu liberalism­o. Apenas rejeitou a xenofobia de Le Pen e sua exagerada carga contra a União Europeia.

Derrotada a extrema direita, permanecem os fatores que levaram ao mal-estar (que não é apenas francês): o cresciment­o da desconfian­ça popular em relação às elites, uma sensação de perda de poder, medo da globalizaç­ão econômica e da imigração, e ansiedade a respeito da mobilidade social e crescente desigualda­de.

Para combatê-lo, só mesmo a missão impossível de juntar o melhor de todas as receitas disponívei­s no mercado de ideias. Coisa para Harry Potter. crossi@uol.com.br

A derrota previsível da extrema direita na França é um bom sinal, mas não elimina o mal-estar

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