Hotel de Banksy vira atração na Cisjordânia
Empreendimento se vangloria de ter a ‘pior vista do mundo’, em frente a muro que separa palestinos e israelenses
Idealizado pelo artista britânico, lugar inclui galeria, museu, livraria e loja de tinta; turistas podem pichar muralha
Os dois turistas eram de Berlim e sabiam alguma coisa sobre muros. Sentados ali nas cadeiras do pátio, um tomando chá e o outro cappuccino, eles contemplavam, do outro lado da viela, o símbolo de tudo que separa israelenses e palestinos: um muro de oito metros de altura.
Esse trecho da muralha de separação da Cisjordânia foi construído há 15 anos, em um período de intensa violência. Agora, se tornou uma atração turística, na forma do empreendimento Walled Off, em Belém, que inclui hotel, galeria, museu, livraria e loja de tinta spray operada pelo artista britânico Banksy.
A experiência combina fantasia e espetáculo (um chimpanzé de plástico recebe os hóspedes) com a seriedade das câmeras de segurança israelenses.
“Esquisito”, disse uma das visitantes berlinenses, Nadja Miller, 38. “É uma espécie de voyeurismo, mas ao mesmo tempo nos conscientiza de que o muro existe.”
Faz pouco mais de um mês que Banksy abriu o hotel. Os nove quartos estão reservados até junho, por diárias que variam de US$ 30 a US$ 965 (R$ 94 a R$ 3.046) , na “suíte presidencial”. Cerca de 700 pessoas visitam o local a cada dia, diz o proprietário, 200 delas palestinas. Muitas chegam em ônibus de turismo e precisam passar por postos de controle.
O hotel se vangloria de oferecer “a pior vista do planeta”. O lugar claramente se enquadra nessa categoria. Para começar, há a muralha em si e o debate incessante sobre o seu significado —seria uma prisão para os palestinos, uma medida de segurança ou uma prova concreta, de 700 quilômetros, de que as negociações de paz fracassaram?
Isso basta para alguns visitantes. “O mundo todo precisa ver o que está acontecendo na Cisjordânia”, afirmou Emad Kheif, 50, funcionário de um banco palestino que trouxe sua família, de Nazaré, para visitar o local.
Mas nem todos os moradores locais estão contentes com o hotel. “A quem isso serve?”, disse uma mulher palestina, Sowsan Hashem, 49.
Alguns visitantes estrangeiros dizem que a ideia os incomoda. Parte da culpa talvez caiba ao estilo comercial e nada sutil de Banksy. Parte se relaciona ao “turismo da opressão”, que permite àqueles que se dispõem a pagar US$ 20 (R$ 63) pichar mensagens políticas no muro. E ainda outra parte tem a ver com o fato de que, apesar de tudo, o hotel é bacana.
Ibrahim Abdel Rahman, 32, dono de uma loja de pneus na mesma rua, disse que as autoridades haviam ordenado que ele fechasse sua loja, quando o lugar começou a ser reformado. “Há algo estranho no hotel. Parece um projeto para encorajar a normalização da ocupação”, disse.
Banksy tem um longo histórico em Belém. Quatro de suas obras mais conhecidas estão lá, incluindo “Menina e um Soldado” e uma pomba da paz usando colete à prova de balas. O artista disse que a barreira de separação “na prática faz da Palestina a maior prisão a céu aberto do planeta”. Mas ele não se tornou um símbolo do ativismo contra Israel, que vem encontrando resistência por parte das autoridades israelenses. PAULO MIGLIACCI