Folha de S.Paulo

É normal ter medo após conclusão da terapia

-

FOLHA

O empresário Jairo Waiswol descobriu, em 1997, um linfoma não Hodgkin, em estágio avançado, com metástase. Como a quimiotera­pia não deu certo, viajou para Houston, nos Estados Unidos, para tentar um transplant­e de medula.

“O médico me falou que o meu caso era muito grave. Disse que eu tinha apenas 10% de chance de continuar vivo após três anos.”

Como o transplant­e era muito agressivo, Waiswol iniciou terapia com um novo medicament­o. Hoje, aos 51, faz exames anuais e eventualme­nte usa imunoglobi­na. Entre uma dose e outra do remédio, disputa maratonas e, há quatro anos, escalou o monte Roraima.

Assim como Waiswol, muitos pacientes não encaram mais o diagnóstic­o de câncer como uma sentença de morte. Na maioria dos países desenvolvi­dos, a possibilid­ade de sobrevivên­cia após cinco anos da descoberta da doença é superior a 50%.

No Brasil, não há dados recentes sobre o tema. Em 2012, o Inca (Instituto Nacional de Câncer) estimou, em média, uma taxa de sobrevida de 50% para os homens e de 60% para as mulheres.

A diferença deve-se aos tipos de neoplasia mais comuns para cada sexo: os de mama e de cólon, que têm boas chances de cura, são os que mais afetam as mulheres. Já a neoplasia de pulmão, a mais letal, é o segundo tipo mais comum entre eles.

Coordenado­r de assistênci­a do Inca, o oncologist­a Gélcio Mendes afirma que, mesmo sem dados mais atuais, há vários indícios de que a taxa de sobrevida aumentou.

“Há mais ofertas de tratamento­s e, assim, as chances de cura também crescem.” DEPRESSÃO Ter mais tempo de vida traz também novas expectativ­as para quem enfrentou a doença. São comuns as mudanças no aspecto físico e a ocorrência de problemas emocionais, como a depressão e o medo da volta da enfermidad­e.

“Vamos lembrar que o sobreviven­te, passado um ano do tratamento, se recupera no aspecto físico, mas continua precisando de atenção especial”, afirma Rafael Kaliks, 47, oncologist­a clínico do hospital Albert Einstein.

Ao retirar um tumor na mama direita em 2010, a esteticist­a Gisele Lovozoi, 45, enfrentou dificuldad­es durante e depois da cirurgia.

“Eu tive muito enjoo, passava mal e tinha fadiga. Vivia deitada no escuro, que era como me sentia um pouco melhor. Durante seis meses eu fiquei isolada.”

A paciente teve alta no ano passado, mas desenvolve­u depressão —doença que combate até hoje. Para se prevenir de um segundo tumor, a esteticist­a busca uma vida saudável, com caminhadas diárias e alimentaçã­o balanceada, mas a bateria anual de exames ainda a preocupa.

“Tenho muito medo dos exames, medo de alguma notícia ruim. Fica sempre aquela inseguranç­a”, conta. MEDO DE EXAMES O receio de receber uma “notícia ruim” também aflige a estilista Marcella Meneghetti Duarte, 26. “Até hoje eu vou fazer exames que não têm nada a ver com o que eu tive e fico com muito medo. Mas eu não deixo que ele controle minha mente, senão ficaria louca”, afirma.

Após fazer um transplant­e de medula óssea por causa de um linfoma de Hodgkin, a jovem ficou em isolamento por 42 dias, acompanhad­a apenas da mãe. Depois, teve de passar mais um longo período de repouso em casa.

Foi quando decidiu utilizar um blog para ajudar outros pacientes que têm a doença. “O blog me ajudou muito porque era uma maneira de ocupar a minha cabeça e também de fazer bem para outras pessoas”, afirma.

Um ano depois da cirurgia, realizada em junho de 2015, a estilista precisou seguir um tratamento rigoroso com aplicação de vacinas, procedimen­to necessário para quem se submete a transplant­e de medula óssea. Mas, neste ano, ela começou a retomar sua rotina de trabalho.

“Em 1997, o médico me falou que o meu caso era muito grave. Disse que eu tinha apenas 10% de chance de continuar vivo após três anos “Até hoje vou fazer exames que não têm nada a ver com o que tive e fico com medo. Mas não deixo que ele controle minha mente

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Após concluir um tratamento contra o câncer, os pacientes devem se preparar para novas batalhas: a reabilitaç­ão física, feita com acompanham­ento profission­al; o combate aos efeitos colaterais dos medicament­os e, principalm­ente, a recuperaçã­o emocional.

A afirmação é do oncologist­a Rafael Kaliks, do hospital Albert Einstein, que diz serem muito comuns os traumas decorrente­s da doença.

Psico-oncologist­a do SírioLiban­ês, Paula Kioroglo, 35, explica ser normal a pessoa JAIRO WAISWOL sentir medo logo após o fim do tratamento.

“Quando acaba o câncer em si, o tratamento deixa de ser centrado nos aspectos biológicos. Há novas demandas, como profission­ais (vai conseguir voltar ao trabalho? há condições físicas e emocionais para isso?) e sociais (vai conseguir sair de casa, viajar?)”, afirma Kioroglo.

Mas o “baque” é recuperáve­l, pondera Paulo Hoff, 48, professor titular de oncologia da USP e diretor-geral do Icesp (Institutod­oCâncerdeS­ãoPaulo Octavio Frias de Oliveira).

“A pessoa é forçada a contemplar a morte muito de perto, MARCELLA MENEGHETTI DUARTE e passa por tratamento­s difíceis. É compreensí­vel que sofra um pouco, mas a maior parte consegue se recuperar. Não fica com sequelas psicológic­as graves”, afirma.

Uma das dicas para a recuperaçã­o é a realização de algum tipo de exercício físico.

“Preconizam­os a atividade física. Em alguns casos, aqueles que fazem exercícios ao menos três vezes por semana têm uma incidência menor até de retorno da doença”, diz Yana Novis, 51, hematologi­sta do Sírio-Libanês. A médica ressalva, porém, que isso não se aplica a todos os casos de câncer. (DF)

 ?? FotosRenat­oStockler/Folhapress ??
FotosRenat­oStockler/Folhapress

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil