VIDA DE COBAIA
Brasil realiza poucos testes clínicos de medicamentos em humanos; pacientes escolhidos têm acompanhamento médico constante e acesso a tratamentos de ponta
FOLHA
O aposentado Zeferino Mário de Jesus, 82, lutava contra um câncer na próstata havia mais de dez anos quando, em 2015, descobriu um novo tumor no pulmão, com metástase nos ossos e no cérebro.
A equipe que o atendia na Beneficência Portuguesa de São Paulo indicou uma nova droga, que já era liberada no país. Mas, por não ser a primeira opção de tratamento, o plano de saúde recusou-se a cobrir os custos. A família assumiu mais esse gasto.
Marcelo, 45, filho de Zeferino, conta que, após um ano, a medicação parou de fazer efeito. Os médicos, então, sugeriram que ele participasse de um grupo de testes de uma droga, a Tagrisso.
A família decidiu tentar. Marcelo diz que, no grupo, tudo é monitorado e controlado, qualquer remédio ingerido é anotado e o pai é submetido a exames de acompanhamento frequentes.
Antes de serem testadas em pacientes, as drogas passam por estudos pré-clínicos, feitos no laboratório em células e em animais (veja quadro). Zeferino não pode consumir nem mesmo achocolatados vitaminados sem comunicar aos pesquisadores. Em compensação, o tratamento não tem custo algum.
Participar de um grupo de testagem sempre gera receio. Todas as autorizações e termos de responsabilidade são assinados pelo paciente e por um segundo responsável.
Marcelo e o pai assinaram a papelada, confiando na equipe médica e no fato de o medicamento já ter sido aprovado nos Estados Unidos.
Para Zeferino, que toma o remédio desde outubro de 2016, os resultados começam a aparecer. Está clinicamente saudável e até foi liberado pelo médico, em janeiro, para visitar o filho em Manaus, que trabalha como maestro no Teatro Amazonas. BENEFÍCIOS “Participar de grupos de testagem é bom para os pacientes, para a ciência e para o país. O paciente ganha acesso a tratamentos de ponta, a pesquisa avança e a instituição que realiza o estudo é remunerada para isso”, diz Murilo Buso, 48, oncologista do Centro de Câncer de Brasília. Os médicos afirmam que efeitos colaterais e danos decorrentes dos testes são raros.
Por conta da diversidade genética da população, o Brasil é alvo de interesse da indústria farmacêutica mundial para testes de novos remédios. Mas, segundo Buso, o país demora demais para conseguir aprovar a formação dos grupos de estudo.
Nos EUA, afirma o médico, o pedido leva no máximo 90 dias para ser aprovado. No Brasil, pode demorar um ano.
Gustavo Fernandes, 38, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, também defende o aumento dos grupos de testes no Brasil. O país participa de apenas 2% do total de pesquisas desse tipo feitas no mundo.
O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, 59, diz que, “seguramente, participamos menos do que deveríamos”, mas afirma que o regulamento de 2015 da agência estipula prazos menores, de até 90 dias, para a aprovação de estudos.
Muitos dos participantes dos grupos de estudos clínicos são pacientes que já esgotaram as opções terapêuticas disponíveis.
Fernandes, porém, diz que é falsa a ideia de que apenas doentes desenganados são encaminhados para testes. É necessário que estejam em boas condições para o tratamento e todo o processo de acompanhamento.
Os pacientes são selecionados por seus médicos, que avaliam se têm o perfil. SEGURANÇA E INTERAÇÃO Objetivo: checar dosagem, toxicidade e interação medicamentosa Alcance: entre 20 e 100 pessoas Participantes: indivíduos saudáveis, voluntários e pacientes sem possibilidade terapêutica específica disponível EFICÁCIA E BENEFÍCIO Objetivo: medir estatisticamente a taxa de resposta e o controle efetivo da doença. Já com dosagem definida pela fase anterior e trabalhando com condições e mutações determinadas Alcance: entre 50 e 100 pessoas Participantes: pacientes sem opção terapêutica e pacientes para os quais os benefícios das terapias existentes sejam restritos COMPARAÇÃO COM DROGAS JÁ EXISTENTES Objetivo: comprovar o aumento da eficácia em relação aos tratamentos já disponíveis no mercado. Os grupos são maiores e os testes são feitos em dois ou três países simultaneamente. Os resultados devem ser estatisticamente similares em todos os grupos. Alcance: entre 1.000 e 2.000 pacientes (drogasalvo são tão específicas que os grupos tendem a ser menores) Participantes: pacientes sem opção terapêutica e pacientes para os quais os benefícios das terapias existentes sejam restritos