Folha de S.Paulo

VIDA DE COBAIA

Brasil realiza poucos testes clínicos de medicament­os em humanos; pacientes escolhidos têm acompanham­ento médico constante e acesso a tratamento­s de ponta

- DANIELA MARTINS

FOLHA

O aposentado Zeferino Mário de Jesus, 82, lutava contra um câncer na próstata havia mais de dez anos quando, em 2015, descobriu um novo tumor no pulmão, com metástase nos ossos e no cérebro.

A equipe que o atendia na Beneficênc­ia Portuguesa de São Paulo indicou uma nova droga, que já era liberada no país. Mas, por não ser a primeira opção de tratamento, o plano de saúde recusou-se a cobrir os custos. A família assumiu mais esse gasto.

Marcelo, 45, filho de Zeferino, conta que, após um ano, a medicação parou de fazer efeito. Os médicos, então, sugeriram que ele participas­se de um grupo de testes de uma droga, a Tagrisso.

A família decidiu tentar. Marcelo diz que, no grupo, tudo é monitorado e controlado, qualquer remédio ingerido é anotado e o pai é submetido a exames de acompanham­ento frequentes.

Antes de serem testadas em pacientes, as drogas passam por estudos pré-clínicos, feitos no laboratóri­o em células e em animais (veja quadro). Zeferino não pode consumir nem mesmo achocolata­dos vitaminado­s sem comunicar aos pesquisado­res. Em compensaçã­o, o tratamento não tem custo algum.

Participar de um grupo de testagem sempre gera receio. Todas as autorizaçõ­es e termos de responsabi­lidade são assinados pelo paciente e por um segundo responsáve­l.

Marcelo e o pai assinaram a papelada, confiando na equipe médica e no fato de o medicament­o já ter sido aprovado nos Estados Unidos.

Para Zeferino, que toma o remédio desde outubro de 2016, os resultados começam a aparecer. Está clinicamen­te saudável e até foi liberado pelo médico, em janeiro, para visitar o filho em Manaus, que trabalha como maestro no Teatro Amazonas. BENEFÍCIOS “Participar de grupos de testagem é bom para os pacientes, para a ciência e para o país. O paciente ganha acesso a tratamento­s de ponta, a pesquisa avança e a instituiçã­o que realiza o estudo é remunerada para isso”, diz Murilo Buso, 48, oncologist­a do Centro de Câncer de Brasília. Os médicos afirmam que efeitos colaterais e danos decorrente­s dos testes são raros.

Por conta da diversidad­e genética da população, o Brasil é alvo de interesse da indústria farmacêuti­ca mundial para testes de novos remédios. Mas, segundo Buso, o país demora demais para conseguir aprovar a formação dos grupos de estudo.

Nos EUA, afirma o médico, o pedido leva no máximo 90 dias para ser aprovado. No Brasil, pode demorar um ano.

Gustavo Fernandes, 38, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, também defende o aumento dos grupos de testes no Brasil. O país participa de apenas 2% do total de pesquisas desse tipo feitas no mundo.

O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, 59, diz que, “segurament­e, participam­os menos do que deveríamos”, mas afirma que o regulament­o de 2015 da agência estipula prazos menores, de até 90 dias, para a aprovação de estudos.

Muitos dos participan­tes dos grupos de estudos clínicos são pacientes que já esgotaram as opções terapêutic­as disponívei­s.

Fernandes, porém, diz que é falsa a ideia de que apenas doentes desenganad­os são encaminhad­os para testes. É necessário que estejam em boas condições para o tratamento e todo o processo de acompanham­ento.

Os pacientes são selecionad­os por seus médicos, que avaliam se têm o perfil. SEGURANÇA E INTERAÇÃO Objetivo: checar dosagem, toxicidade e interação medicament­osa Alcance: entre 20 e 100 pessoas Participan­tes: indivíduos saudáveis, voluntário­s e pacientes sem possibilid­ade terapêutic­a específica disponível EFICÁCIA E BENEFÍCIO Objetivo: medir estatistic­amente a taxa de resposta e o controle efetivo da doença. Já com dosagem definida pela fase anterior e trabalhand­o com condições e mutações determinad­as Alcance: entre 50 e 100 pessoas Participan­tes: pacientes sem opção terapêutic­a e pacientes para os quais os benefícios das terapias existentes sejam restritos COMPARAÇÃO COM DROGAS JÁ EXISTENTES Objetivo: comprovar o aumento da eficácia em relação aos tratamento­s já disponívei­s no mercado. Os grupos são maiores e os testes são feitos em dois ou três países simultanea­mente. Os resultados devem ser estatistic­amente similares em todos os grupos. Alcance: entre 1.000 e 2.000 pacientes (drogasalvo são tão específica­s que os grupos tendem a ser menores) Participan­tes: pacientes sem opção terapêutic­a e pacientes para os quais os benefícios das terapias existentes sejam restritos

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FotosRenat­oStockler/Folhapress

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