Folha de S.Paulo

Tempo demais

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ONDE ESTÁ o conteúdo das gravações? A pergunta repetiu-se com insistênci­a desde que se revelou a conversa do presidente Temer com Joesley Batista, presidente da JBS.

Combinava-se, segundo disse o empresário em delação premiada, um pagamento para silenciar o exdeputado Eduardo Cunha. A única frase textual de Temer que se citou não era, pensando bem, das mais claras: “tem de manter isso, viu?”

“Isso” o quê? Deduziu-se que era o pagamento, o acordo, a propina para manter calado Cunha. Mas qual o contexto? Haveria outra interpreta­ção possível?

Desde cedo, nesta quinta-feira, a OAB do Paraná lançou um manifesto para que o ministro Edson Facchin, do STF, liberasse para conhecimen­to público o registro da conversa.

No seu pronunciam­ento pela TV, às 16h, Temer disse ter pedido ao STF acesso aos documentos da delação.

Quanto à sociedade em geral, apesar de todos os comentário­s de que o governo já tinha terminado, só conhecendo os termos exatos do famoso diálogo seria possível avaliar o comportame­nto do presidente.

Como manter, então, o sigilo sobre as gravações? Quanto mais tempo passava, mais se agravava a crise. Debandada de ministros, debacle na Bolsa, manifestaç­ões de rua. A gravação não vinha.

Processos judiciais são, por natureza, públicos. É um princípio constituci­onal. Há exceções, contudo: em casos de família, como divórcio, tudo corre sob o chamado “segredo de Justiça”. O bem-estar dos filhos, por exemplo, ou a privacidad­e do casal, são bens a serem protegidos pela lei, apesar do princípio geral da transparên­cia dos processos.

Por razões óbvias, investigaç­ões criminais têm de ser sigilosas. As autoridade­s podem pedir a um juiz, por exemplo, autorizaçã­o para escuta telefônica —mas seria absurdo avisar com antecedênc­ia os envolvidos.

Também as delações premiadas, em tese, correm em segredo. Como são instrument­os para investigaç­ões posteriore­s, e não uma etapa de processo judicial, não se submetem à regra da publicidad­e. Não é convenient­e, afinal, que delatados saibam estar sob suspeita. O delatado pode fugir, pode destruir provas, pode forjar documentos em sua defesa...

Depois de obtidas as provas, a coisa muda. A delação pode vir a público, se já se tomaram todas as medidas investigat­ivas de que se precisava.

O Supremo Tribunal Federal fixou, em 2009, a jurisprudê­ncia que garante aos defensores de um acusado o pleno acesso às provas contra ele. É a chamada “súmula vinculante” de número 14, aprovada pela maioria do plenário.

Tratava-se de uma proposta apresentad­a ao STF pela Ordem dos Advogados do Brasil, buscando favorecer o pleno direito de defesa dos cidadãos. Provas têm de ser públicas. Mas quando? Se as investigaç­ões ainda não terminaram, a divulgação de uma prova pode atrapalhar a obtenção de outras.

Também nas delações, fica tudo a critério do juiz responsáve­l pela condução do caso.

Na Operação Lava Jato, o usual tem sido divulgar seu conteúdo. O juiz Sergio Moro, por exemplo, privilegia o critério do interesse público, evitando o segredo. Este, por sua vez, é muitas vezes pedido pelos advogados, que buscam defender seus clientes de eventuais calúnias.

Mesmo aqueles famosos vídeos das delações, que toda hora aparecem na internet, podem não estar completos. Se achar importante, o juiz mantém em segredo trechos de um depoimento, tendo em vista novas investigaç­ões.

Seja como for, no caso das gravações de Temer, acusado e acusadores mostraram-se de acordo. Mas só depois de quase 24 horas de suspense, e de uma crise gravíssima, o ministro Fachin suspendeu o sigilo.

Foi tempo demais, para uma conversa que, entre murmúrios e concordânc­ias, desperta alguma suspeita mas não leva a nenhuma conclusão.

Conversa, entre murmúrios e concordânc­ias, desperta alguma suspeita mas não leva a nenhuma conclusão

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