FESTIVAL DE CANNES Primeiros filmes expõem visões opostas de mundo pré-adolescente
‘Sem Fôlego’, de Todd Haynes, e ‘Loveless’, de Andrey Zvyagintsev, abriram competição na 5ª
Norte-americano conta duas tramas paralelas em Nova York, e russo fala de garoto sumido em clima violento
Há um tanto de coincidências entre os filmes que abriram a competição do Festival de Cannes na quinta (18). A começar pelo título: um se chama “Sem Fôlego”; outro, “Loveless” (sem amor, em inglês). Ambos tratam de préadolescentes.
O tom, contudo, não podia ser mais diferente.
O primeiro, do americano Todd Haynes, faz um retrato terno, no limite do piegas, de um menino e de uma menina de épocas distintas. O segundo, dirigido pelo russo Andrey Zvyagintsev, também gira em torno de um garoto de 12 anos, mas seu registro é brutal e tem dureza típica das produções do Leste Europeu.
“Sem Fôlego” é uma adaptação do livro de Brian Selznick, o mesmo autor de “A Invenção de Hugo Cabret”.
Suas duas partes são contadas em paralelo; uma é sobre uma garota solitária em 1927, a outra, sobre um órfão em 1977. Ambos são surdos, e a trama acompanha sua jornada por Nova York; ela, à procura da mãe; ele, do pai.
Quando retrata a década de 1920, Haynes usa o preto e branco e referências do cinema mudo. Ao pular para os anos 1970, o filme ganha um filtro mais vibrante e suingue.
“O passado me inspira, me dá desculpa para recuar à história do cinema”, disse o diretor, prolífico em produções de época, como “Carol” (2015) e “Longe do Paraíso” (2002).
No filme, ele trabalha pela quarta vez com Julianne Moore. Coadjuvante nos dois segmentos, ela disse à imprensa no festival que “o filme trata do tema da linguagem e sobre como usamos o corpo para nos comunicarmos”.
“Sem Fôlego” é a incursão mais pueril da carreira de Haynes, que despontou entre o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 dentro do new queer cinema, movimento que contou com Gus Van Sant, Gregg Araki e outros e levou os dilemas de gays, lésbicas e trans para a tela.
“Nunca tinha trabalhado com o universo infantil, da imaginação, e num filme em que o espectador tem de seguir pistas”, disse ele. “Por que as duas histórias estão no mesmo filme? O público sabe que existe uma relação e a ideia de que irá desvendar isso é o que prende a atenção.”
Se em “Sem Fôlego” os personagens pré-adolescentes saem em busca dos pais, em “Loveless” é o oposto: os pais, recém-divorciados, é que precisam ir atrás do filho sumido. As tintas são opostas às do longa de Haynes: o thriller é carregado de crueza nas imagens, e a trama não busca fazer concessões.
No filme de Zvyagintsev, mesmo diretor de “Leviatã” (2014), o casal de protagonistas se agride aos berros e palavrões. Terem de se unir para procurar o filho não os reaproxima. Longe disso; só escancara um abismo de violência psicológica que não fazem questão de reparar.
A falta de empatia entre os dois personagens também revela o que parece ser uma cisão na própria sociedade russa. As patadas que permeiam quase todas as relações familiares no filme só dão trégua quando há um interesse por trás da união: a personagem da mãe se uniu a um sujeito mais velho e mais rico.
O diretor, contudo, se esquiva de comentar quanto da brutalidade seria metáfora para a condição política na Rússia atual. “Não queria que o filme fosse visto só pelo panorama político. Minha compreensão é mais metafísica, é das relações em si”, disse.
Fazer uma análise despolitizada de sua obra é tarefa difícil. “Leviatã”, sátira ácida que escancarava a corrupção no país, levou o ministro da Cultura de Putin a chamar o longa de “antirrusso” e dizer que não deveria ter sido bancado com dinheiro público.
“Loveless” não tem um centavo do governo; é uma coprodução com outros países da Europa. GUILHERME GENESTRETI ESCAPE DESSES Com dois longas à procura de parceiros internacionais em Cannes, Johnny Depp é alvo de piada por causa do fracasso de suas produções independentes. “Se tiver Depp e não for ‘Piratas do Caribe’ ou dirigido por Tim Burton, não compre” —é o que distribuidores dizem pelos corredores. NÃO TEM ESCAPE Os grandes estúdios podem não estar dentro da programação do festival neste ano, mas estão por toda parte, do lado de fora. A Sony cobriu a fachada de um dos hotéis à beira-mar com um gigantesco painel do novo “Homem-Aranha”. Perto dali, uma locomotiva em tamanho real anuncia a nova versão de “Assassinato no Expresso do Oriente”. FILME PORTA DOS FUNDOS: CONTRATO VITALÍCIO O Porta dos Fundos saiu da web e chegou aos cinemas no ano passado. No longa de estreia, dois amigos assinam um contrato de trabalho vitalício. Anos depois, um deles é um ator famoso e o outro, um cineasta lunático que obriga o “sócio” a estrelar um filme, no mínimo, trash. Telecine Pipoca, 17h30, 14 anos FILME HORIZONTE PROFUNDO: DESASTRE NO GOLFO Eletrizante, essa produção recria uma das maiores tragédias ambientais recentes: em 2011, a explosão de uma plataforma petrolífera matou 11 pessoas e espalhou petróleo pelo Golfo do México. NET Now (R$16,90), 14 anos