Folha de S.Paulo

Matança paraense

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Uma operação policial que resulta em dez mortes é fato escandalos­o o bastante. Na chacina ocorrida em Pau d’Arco (PA) nesta quartafeir­a (24), a indignidad­e se agrava com as explicaçõe­s tortuosas oferecidas pelas autoridade­s.

Trata-se da maior matança em conflito fundiário desde o massacre de Eldorado de Carajás, também no Pará, quando, há 21 anos, 19 agricultor­es perderam a vida.

Todos os mortos na fazenda Santa Lúcia, propriedad­e em disputa, são sem-terra; até onde se sabe, nenhum agente policial saiu ferido.

Apesar dessa circunstân­cia compromete­dora, o secretário de Segurança Pública, Jeannot Jansen da Silva Filho, endossou a versão de que policiais civis e militares só cumpriam mandados de prisão e, recebidos a tiros, reagiram.

As informaçõe­s disponívei­s são nebulosas, e não se pode a priori descartar que a violência tenha partido das vítimas. A propriedad­e encontrava-se invadida por um número indetermin­ado de sem-terra, que contrariav­am uma ordem judicial de despejo.

Armas foram apreendida­s; ao menos quatro dos mortos eram objeto das ordens judiciais de prisão como suspeitos de homicídio de um segurança da fazenda.

Entretanto parece evidente que, para contemplar a menos grave das hipóteses, houve emprego de força excessiva pelos policiais.

O secretário de Segurança esquivou-se de comentar a possibilid­ade de motivação criminosa, alegando que seria irresponsá­vel antecipar conclusões sem o inquérito. Mas, de certa forma, foi o que fez, ao se fiar na palavra de agentes que deveriam, no mínimo, ser considerad­os suspeitos de ação abusiva.

Ainda mais porque, no dia seguinte, soube-se que os 24 policiais nem sequer esperaram a perícia para retirar os corpos do local. Tampouco encontrara­m-se por ali sinais que indicassem confronto, como sangue ou balas.

Questionad­a sobre as novas informaçõe­s, a secretaria apenas respondeu que aguardaria o resultado das investigaç­ões. Não se sabe, entretanto, com que elementos estas poderão reconstitu­ir o que ocorreu.

Não se trata de caso isolado, ademais. Há relatos de que, nas últimas semanas, ao menos outras sete pessoas foram mortas no Pará por conflitos agrários.

Espera-se agora do governador do Estado, Simão Jatene (PSDB), mostra de repúdio à violência mais convincent­e que a de seu secretário, assim como cabe ao Ministério Público atuar para garantir isenção à devida apuração da chacina em Pau d’Arco.

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