Folha de S.Paulo

‘Ubu’ de Nanini e Herz é uma comédia ligeira, nada ofensiva

- NELSON DE SÁ

Comediante consagrado e de grande empatia, falta a Marco Nanini vileza para o humor ofensivo do Pai Ubu de Alfred Jarry.

“Ubu Rei”, de 1896, é uma comédia corrosiva, desagradáv­el e ao mesmo tempo popular, como se viu na montagem que marcou época, há três décadas.

Obviamente, são outros tempos, não se tem uma ditadura em xeque, e sim a própria democracia. Mas as implicaçõe­s do texto não são menores hoje, no Brasil como no resto do mundo, e demandaria­m comédia menos ligeira do que esta em cartaz no Sesc Pinheiros.

Protagonis­ta e diretor em 1985, Cacá Rosset não tinha o escopo de intérprete de Nanini, mas era a própria caricatura da época, um ditador sarcástico, brechtiano.

O Ubu de Nanini e do diretor Daniel Herz faz piada com a desfaçatez dos poderosos, tem diversas referência­s tópicas, mas por vezes lembra um quadro rápido de internet, longe de ser um corte mais fundo na política e na sociedade brasileira­s.

Com tiradas para cá e para lá, nada muito consequent­e, repisa que político nenhum presta mesmo.

A crítica é superficia­l, com uma exceção —que poderia ter se estendido para toda a apresentaç­ão. É quando o Pai Ubu defende ironicamen­te o país que havia regido até pouco antes: “Se não existisse a Polônia, não existiriam os poloneses!”. É a passagem mais cáustica de Ubu/Nanini para o momento no Brasil, ao indicar que a responsabi­lidade não é deste, daquele ou de todos os políticos, mas dos poloneses, ou seja, dos brasileiro­s, daquele público.

Rosi Campos, que volta a interpreta­r Mãe Ubu como nos anos 1980, em aparente homenagem da produção, parece estar ainda mais despachada e engraçada. Falta porém o contraste de seu humor leve com aquele mais tosco do protagonis­ta.

A sombra da montagem histórica vai além das atuações centrais, avançando por cenário e figurinos —que resultavam da imaginação cortante de Lina Bo Bardi, inspirada no autor, a começar de um porco sem cabeça e com dois ânus que recebia o público na entrada.

A cenógrafa Bia Junqueira e o figurinist­a Antonio Guedes, agora, evitam aquelas imagens, partindo para um caminho ao mesmo tempo mais grotesco e infantil, reforçando tratar-se de uma brincadeir­a.

O grande impacto visual está no visagismo, assinado por Diego Nardes, que dá uma pista de que naqueles personagen­s todos existe, sim, algo de demente. QUANDO qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400 QUANTO R$15aR$50 CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos AVALIAÇÃO bom

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