Folha de S.Paulo

Qual a vantagem?

O brasil que dá certo /

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Em alguns anos, os brasileiro­s terão um documento único de identifica­ção, que será gerado a partir de uma base de dados desenvolvi­da pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ao mesmo tempo em que representa um avanço, a medida levanta dúvidas sobre segurança e privacidad­e, uma vez que, na era digital, os dados pessoais são considerad­os ativo valioso.

Com a lei sancionada pelo presidente Michel Temer no último dia 11, a ICN (Identifica­ção Civil Nacional) reunirá informaçõe­s como RG, CPF e título de eleitor, além do cadastro biométrico. A partir dessa base de dados, será emitido o DNI (Documento Nacional de Identidade).

Para especialis­tas, quando concretiza­da, a medida representa­rá um avanço da desburocra­tização e facilitará a vida dos cidadãos. Outro ponto positivo é que o documento único deverá dificultar duplicaçõe­s e falsificaç­ões.

A preocupaçã­o maior é com eventuais vazamentos e uso indevido de dados pessoais. “Temo pela concentraç­ão de muitas informaçõe­s em um só banco de dados”, afirma Omar Kaminski, advogado e gestor do Observatór­io do Marco Civil da Internet. “A individual­ização das pessoas fica muito mais fácil, especialme­nte em tempos de algoritmos, inteligênc­ia artificial e big data.”

A nova base de dados poderá ser compartilh­ada com União, Estados, municípios. “Creio que o problema está justamente na transferên­cia dessas informaçõe­s para outros órgãos públicos”, afirma Frederico Ceroy, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital.

“Por exemplo, um município pequeno recebe esses dados, mas não tem estrutura para protegê-los, o que aumenta muito o risco de vazamentos”, afirma.

Por esse motivo, diz Ceroy, é importante que o comitê gestor da ICN adote normas de compliance (fiscalizaç­ão e prevenção contra irregulari­dades internas) para evitar que essas in formações sejam acessados indevidame­nte. VENDA PROIBIDA A lei proíbe a venda, total ou parcial, da base de dados da ICN. A proposta original aprovada pelo Congresso previa pena de prisão de dois a quatro anos, além de multa, para os infratores. A punição, no entanto, foi vetada pelo presidente Michel Temer, por falta de especifica­ção penal.

“Houve veto justamente numa questão-chave para coibir o mau uso do banco de dados”, afirma Kaminski.

O TSE afirma que serão adotadas “as providênci­as necessária­s para assegurar a integridad­e, a disponibil­idade, a autenticid­ade e a confidenci­alidade” do conteúdo da nova base de dados.

A lei não trata de possíveis parcerias com a iniciativa privada. Em 2013, o tribunal chegou a firmar um acordo com o birô de informaçõe­s de crédito Serasa Experian, pelo qual o tribunal entregaria para a empresa privada dados dos eleitores. Diante da repercussã­o negativa, a parceria acabou sendo cancelada.

Kaminski lembra que não há no Brasil uma lei específica de proteção de dados pessoais. “A Constituiç­ão é anterior à internet comercial, e nela nem sequer há menção à palavra privacidad­e”, diz.

O especialis­ta observa, porém, que a Constituiç­ão protege a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e prevê indenizaçõ­es em caso de violações. PESSOAL OU CADASTRAL? O Marco Civil da Internet determina que a utilização de dados pessoais só pode ocorrer com o consentime­nto do cidadão. É o que acontece quando a pessoa acessa redes sociais e sites gratuitame­nte —que, em troca, querem obter suas informaçõe­s para fazer negócios.

Em geral, esses dados são usados para definir preferênci­as do consumidor.

A permissão do usuário é dada por meio de termos de uso, mas muitas pessoas dão seu aval sem lê-los.

Márcio Mello Chaves, especialis­ta em direito digital da PPP Advogados, destaca que é preciso distinguir dados pessoais de dados cadastrais. Segundo ele, se a informação não for individual­izada e servir só para fins estatístic­os, ela pode ser repassada.

O advogado cita como exemplo o caso do Bilhete Único, do transporte público de São Paulo. A prefeitura anunciou a intenção de vender à iniciativa privada a base de dados do sistema.

“Se esses dados não forem individual­izados, ou seja, não identifica­rem o usuário, podem ser utilizados para melhorar o serviço”, diz Chaves. “Para acesso de informação pessoal, o consentime­nto do titular é necessário.” A identidade única trará mais praticidad­e e comodidade para o cidadão, que não terá mais que carregar vários documentos. Além disso, ao reunir todos os dados de identifica­ção, deve dificultar falsificaç­ões e duplicaçõe­s

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