Folha de S.Paulo

Falta de capital disponível causa atraso na inovação nacional

Para professor da FGV, casos de sucesso ainda são exceções

- MARCELO SOARES

FOLHA

Ao menos em produtos digitais para o consumidor final, o Brasil ainda fica devendo inovação, de acordo com Marcelo Coutinho, professor da Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.

Os principais casos de sucesso conhecidos ainda são exceções. Isso se deve ao grande gargalo que qualquer outro empreended­or enfrenta: falta capital. Segundo Coutinho, boa parte dos negócios digitais brasileiro­s faz apenas a adaptação local de negócios globais. A boa notícia, diz, é que universida­des e mercado estão mais próximos. Folha - Qual o cenário atual das empresas de tecnologia no país?

Marcelo Coutinho - O Brasil é um país periférico na tecnologia e vai continuar assim por um bom tempo. A área de inovação digital sofre das mesmas dificuldad­es que o empreended­orismo em geral: o país é pouco amigo da inovação, desde a baixa disponibil­idade de capital até a dificuldad­e de integrar a pesquisa acadêmica com as necessidad­es do mercado.

O que tem aparecido de específico e que chama a atenção é principalm­ente o surgimento de empresas de inovação no setor financeiro. Isso não é surpresa, pois os bancos brasileiro­s estão na vanguarda da tecnologia desde que tiveram de lidar com a inflação altíssima dos anos 80. O grande burburinho acontece hoje na área de “fintech”.

Dada a forma de inserção do Brasil na economia mundial, é mais fácil que profission­ais brasileiro­s ganhem importânci­a global a partir de grandes empresas, como foi o caso do Hugo Barra [ex-vicepresid­ente do Android, no Google, e vice-presidente da Oculus, empresa de realidade virtual no Vale do Silício]. O sistema de inovação brasileiro não tem musculatur­a e disponibil­idade de capital para crescer como se gostaria. Como estão as parcerias entre universida­des e empresas para gerar inovação?

O ambiente está mudando; já foi bem pior no Brasil. Havia desconfian­ça das universida­des em relação às empresas e vice-versa. Esse panorama está se alterando, mas muitos pesquisado­res de ponta acabam indo embora. Na Europa e no Vale do Silício, eles encontram ambientes muito mais propícios para desenvolvi­mento e inovação.

Inovação não é algo que venha do zero, é um processo. É muito mais arriscado inovar do que continuar fazendo o que se faz, pois há baixa disponibil­idade de capital. Então, o ambiente se caracteriz­a mais pelas exceções. Nossa tendência é de ter empresas de pequeno e médio porte que inovam para nacionaliz­ar processos que já ocorrem lá fora. O sonho do inovador brasileiro é ser comprado por alguém no exterior. O paradigma no Brasil é o Buscapé [site de comparação de preços criado em 1999 e vendido para o grupo sul-africano Naspers dez anos depois]. Entre as start-ups brasileira­s, há alguma que se destaque?

Temos o caso do 99 Táxis, aplicativo criado no Brasil e que conseguiu ir para fora. Fora isso, não há um aplicativo global surgido no Brasil. Isso não é ruim. Em vez de criar inovações disruptiva­s, os brasileiro­s geram inovações incrementa­is, que se encaixam em processos existentes.

O “Wall Street Journal” diz que o Brasil é a capital de mídias sociais do universo. É natural que as empresas vejam isso como um diferencia­l, já que o sistema de inovação não é muito amigável. Esse uso intenso, que já está bem documentad­o, é uma vantagem competitiv­a e gera espaço para a criação de produtos. Que tipo de empresas digitais seus alunos buscam criar?

Converso muito com alunos que buscam fazer algo na área de marketing. Há uns dois anos, as ideias sempre são de aplicativo­s para mobile, com o uso das redes sociais. Há outras ideias de aplicativo­s de serviços e algo para finanças. Alguns alunos já têm projetos andando, com dois ou três clientes, mas nenhum decolou até agora.

O ‘Wall Street Journal’ diz que o Brasil é a capital de mídias sociais do universo. Esse uso intenso é vantagem competitiv­a e gera espaço para a criação de produtos

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Mozart Gomes/CMSP

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