Folha de S.Paulo

Consequênc­ias

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Aprendi a admirar o professor Oscar Vilhena Vieira, que, infelizmen­te, conheço apenas pela leitura de seus excelentes artigos publicados aos sábados na Folha e pelo seu brilhante protagonis­mo em eventuais discussões televisiva­s. Peço licença para discordar ligeiramen­te de suas conclusões no seu artigo de 24/6, no qual fui citado.

Vilhena tem razão quando interpreta que a minha afirmação “a paixão política costuma cobrar caro sua imprevidên­cia” referia-se ao STF.

Não creio, entretanto, que ele tenha razão ao generalizá­la para os julgamento­s de qualquer outro nível (sob os quais existe controle “superior”), mesmo porque todos conhecemos a arte da “exegese criativa” que usa a ética “consequenc­ialista” (veja-se, por exemplo, como, com uma lógica digna de hospício, um aumento fixo e absoluto de R$ 60 para todos os funcionári­os foi “transforma­do de forma coerente e imparcial”, por tribunais superiores, num aumento de 13% sobre todos os salários do Judiciário!).

Em 1986, em plena Constituin­te, tentei me convencer das virtudes e dos riscos de sacralizar­mos o STF, colocando sobre os ombros de 11 brasileiro­s o papel moderador e controlado­r das relações independen­tes (mas harmônicas) entre os três Poderes da República.

Na Constituin­te não tivemos, infelizmen­te, nenhum constituci­onalista consagrado para nos transmitir suas lições. O argumento pragmático que venceu minha resistênci­a foi o de que estávamos vivenciand­o um fato: qualquer cidadão poderia, por circunstân­cias especiais ou por acidente, chegar a qualquer cargo, mesmo à Presidênci­a da República!

Diante disso, decidi que a suprema honra que a nação pode prestar a um cidadão é escolhê-lo para o STF e colocar-lhe nas mãos 1/11 do seu destino. Uma vez aprovado, ele não tem mais passado. Só tem futuro nas “nuvens”: será imortal enquanto seus pares (presentes e futuros) o reverencia­rem citando as lições que incorporou aos seus votos. Essa é a sua única e definitiva recompensa. A “responsabi­lidade”, seu único fardo...

Na minha modestíssi­ma opinião de medíocre constituin­te, o STF não deve ser eleito pela “vox populi” porque esta, em geral, quer “vingança”, não “justiça”. É “escolhido” indiretame­nte, por meio de um filtro mais restrito, por agentes eleitos por ela.

Trata-se de seleção de segundo grau, elitista, rigorosa e sem concurso público dos membros da única instituiçã­o que pode errar por último e da qual não caberá recurso! É por isso que deve fundamenta­r suas decisões analisando, explicitam­ente, as consequênc­ias a curto e longo prazo das alternativ­as que tem à sua disposição (pense nas “consequênc­ias” para o sistema eleitoral da sua recusa, por motivos metafísico­s, da regra de barragem).

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