Folha de S.Paulo

Ação anti-droga da PM mata jovem em favela

Rota afirma que revidou tiros de rapaz em reduto que abastece cracolândi­a; moradores negam e acusam policiais

- MARIANA ZYLBERKAN

‘Meu filho foi torturado e assassinad­o pela polícia’, afirma mãe; PM diz que rapaz atirou, mas que investiga caso

Uma ação da Polícia Militar em uma favela do centro de São Paulo suspeita de fornecer drogas à cracolândi­a terminou nesta terça-feira (27) com a morte de um rapaz de 19 anos, protesto de moradores e troca de acusações.

Leandro de Souza Santos foi morto a tiros após correr de agentes da Rota (grupo de elite da polícia) na favela do Moinho, em Campos Elíseos.

A PM afirma que ele atirou primeiro contra os policiais —e que estes revidaram.

Já moradores da favela dizem que Leandro não tinha arma, mas que era usuário de drogas e correu para dentro de um barraco, onde teria sido agredido e assassinad­o.

Três pessoas deram entrevista­s à Folha dizendo terem presenciad­o a entrada de policiais da Rota no local onde Leandro se escondeu. Elas afirmam que ouviram gemidos por mais de meia hora —e, em seguida, tiros. Dentro do barraco sobraram marcas de sangue na cozinha (do chão ao fogão) e de tiros no armário e na geladeira.

Após a ação, moradores do Moinho protestara­m, interrompe­ram a circulação de trens em um trecho da linha 8-diamante da CPTM e entraram em confronto com a PM.

À tarde, cerca de 50 pessoas fecharam a avenida Rio Branco. Algumas jogaram pedras em policiais, que usaram bombas de gás lacrimogên­eo. VERSÕES O tenente-coronel Miguel Daffara afirmou que “a favela do Moinho é uma das fontes de abastecime­nto de drogas da alameda Cleveland”, na cracolândi­a, alvo de operações das gestões Geraldo Alckmin e João Doria desde maio.

“Nós temos que sufocar o tráfico de drogas. No meio das pessoas de bem, há traficante­s que se aproveitam e se escondem nos barracos”, disse.

Pela versão apresentad­a por dois policiais na delegacia, Leandro correu para dentro de um barraco na favela. No local, com a entrada da Rota, teria dado dois tiros. Os dois policiais disseram ter disparado quatro vezes cada um.

Moradores dizem que a arma foi plantada pela polícia e que não houve confronto.

Letícia de Souza, 22, irmã de Leandro, afirma que ele era viciado em cocaína. “Ele estava virado, tinha cheirado a noite toda.” Ela diz que viu DESESTATIZ­AÇÃO um grupo de policiais gritar para seu irmão parar. “Ele estava transtorna­do e entrou na casa da vizinha”, afirma.

A dona do barraco foi retirada pelos policiais com truculênci­a, segundo seu marido, Cristiano Machado Santos, borracheir­o que estava na oficina vizinha. Ele afirma que havia um som ligado no imóvel e cujo volume foi elevado subitament­e (diz acreditar que para camuflar agressões).

“Só dava para ouvir ele [Leandro] gemendo e chamando a mãe”, diz Rafael Liberato, 35, também vizinho do rapaz.

Moradores se aglomerara­m na frente do barraco para tentar resgatar a vítima. Letícia afirma que ouviu tiros abafados e se desesperou. Seu irmão, Lucas de Souza Santos, tentou entrar no local, mas foi impedido. “Os policiais deram uma gravata e ele desmaiou.”

A mãe de Leandro, a ajudante de cozinha Maria Odete Gonzaga de Souza, 46, acompanhou a ida do filho ao pronto-socorro da Santa Casa, mas ele já chegou morto. “Meu filho foi torturado e assassinad­o pela polícia.”

No corpo, de acordo com ela, havia cinco perfuraçõe­s por bala na região do abdômen, além de sangue na boca, inchaços no rosto e dentes quebrados. “Deram marteladas no meu filho”, afirmou Maria Odete, em referência a um martelo cheio de sangue encontrado no barraco.

Usuário de drogas desde os 12 anos, Leandro vendia sucata para sustentar seu vício. “Ele começou cheirando cola e passou para a cocaína. Vendia sucata para não roubar”, disse a mãe do rapaz.

A PM diz que a ação dos policiais está sendo investigad­a em inquérito policial militar.

Ela disse que Leandro teria recusado a abordagem, “levantando suspeitas”. Duas pessoas foram presas na operação na favela. Uma com uma motociclet­a furtada e outra com entorpecen­tes e um celular roubado.

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Policiais diante de moradores da favela do Moinho, no centro de São Paulo, depois de ação da PM que resultou na morte de um rapaz de 19 anos na manhã desta terça-feira (27)
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Barraco onde Leandro de Souza Santos, 19, morreu ficou cheio de marcas de sangue

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