Folha de S.Paulo

A morte do compositor

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RIO DE JANEIRO - Deu no Ancelmo, no “Globo”. Os herdeiros de Ary Barroso movem uma ação contra a gravadora Sony porque, no encarte do CD “Dois Amigos”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, a autoria do samba “É Luxo Só”, de Ary, é atribuída à cantora Inezita Barroso. Que a Sony, tão ciosa de suas propriedad­es, cometa tal erro num disco, e logo contra Ary Barroso, é um triste sinal dos tempos. Significa que, mesmo nas empresas que deveriam zelar pelo instituto do direito autoral —sem o qual a música popular deixará de existir—, a figura do compositor está em perigo, engolida pela do intérprete.

É só baixar qualquer música pela internet e verificar se o autor está creditado. Quase nunca está. Em regra, o que se lê debaixo do título é o nome do cantor que irá interpretá-la. É assim, por exemplo, que o primeiro baião de todos os tempos —“Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ Oi quem quiser aprender/ É favor prestar atenção...”, intitulado justamente “Baião”, de 1946— passará à história não como de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, mas só de Luiz Gonzaga, que nem foi o primeiro a gravá-lo.

Para 99% das pessoas, o imortal “Você só dança com ele/ E diz que é sem compromiss­o/ É bom acabar com isso/ Não sou nenhum pai-João...” é um samba de Chico Buarque, não de Geraldo Pereira.

Na semana passada, ao ouvir no rádio sobre a morte de Luiz Melodia, o motorista do táxi começou a cantarolar “Diz Que Fui Por Aí” —“Se alguém perguntar por mim/ Diz que fui por aí...”— e acrescento­u: “Esta era dele, com Seu Jorge”. Corrigi-o: “Não. Este samba é do Zé Kéti”. Ele teimou. E acrescente­i: “Em parceria com Hortêncio Rocha”.

A confusão era natural: Luiz Melodia e Seu Jorge gravaram “Diz Que Fui Por Aí”, logo, só podia ser deles. O taxista, com pinta de 50 anos, nunca ouvira falar de Zé Kéti. PABLO ORTELLADO ANDRÉ SINGER

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