Folha de S.Paulo

ANÁLISE Ainda que possa ser só bravata, fala fortalece tese de Maduro

- CLÓVIS ROSSI

Em um movimento inesperado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta sexta (11) que não descarta uma “opção militar” contra a Venezuela. Sem detalhar, ele afirmou que, “se necessário”, poderá buscar uma ação militar no país.

“Temos muitas opções para a Venezuela, inclusive uma opção militar se for necessário”, afirmou, ao ser questionad­o por uma repórter após se reunir com o secretário de Estado, Rex Tillerson, e a embaixador­a americana na ONU, Nikki Haley, em Bedminster, Nova Jersey.

Trump não quis dar mais detalhes, só repetiu que uma opção militar é “certamente algo que podemos buscar”.

“[A Venezuela] é nossa vizinha, e nossos soldados estão por todo o mundo, em lugares muito, muito distantes. A Venezuela não é muito longe, e as pessoas estão sofrendo e morrendo”, disse.

Ele também declarou que o país estava uma “bagunça muito perigosa”.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, afirmou que a ameaça é “um ato de loucura” de Trump e chamou o governo americano de “um grupo de supremos extremista­s da elite mundial”.

“Com esse pensamento, [Trump] vai acabar com a humanidade, com o planeta, com os recursos ambientais. Não sabemos qual será o futuro do mundo assim, mas, se vier, nós estaremos na primeira fila defendendo o país.”

DONALD TRUMP

presidente dos Estados Unidos

O Itamaraty informou, após a declaração de Trump, que o Brasil defende uma solução pacífica e de diálogo para a crise no país vizinho.

A posição é a mesma que consta na declaração de Lima na terça (8). O documento defende uma negociação “com pleno respeito às regras do direito internacio­nal e do princípio de não intervençã­o”. A declaração foi divulgada após encontro de representa­ntes de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru para discutir a situação da Venezuela e se segue à suspensão de Caracas do Mercosul.

A crise venezuelan­a se intensific­ou depois da eleição de uma Assembleia Constituin­te, no último dia 30, em uma votação cujas regras foram desenhadas para favorecer o governo e contestada por governos estrangeir­os.

Após o pleito, os EUA afirmaram que a Venezuela é uma ditadura e aplicaram sanções contra Maduro, a quem acusam de romper a ordem constituci­onal. Foi o quarto pacote de sanções americanas contra venezuelan­os neste ano.

Maduro havia dito na quinta (10) que solicitou ao chanceler venezuelan­o marcar um telefonema com Trump, ou um encontro durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro, em Nova York.

“Se está tão interessad­o na Venezuela, estou aqui, ‘mister Trump’, aqui está minha mão”, disse, para na sequência chamá-lo de imperador e fazer uma ameaça.

A Casa Branca respondeu ao pedido na noite desta sexta, e afirmou que “o presidente Trump ficará feliz em conversar com o líder da Venezuela assim que a democracia seja restaurada no país”.

Temos muitas opções para a Venezuela, inclusive uma opção militar, se for necessário

LAÍS ALEGRETTI,

FOLHA

“A declaração de Trump só ajuda o Maduro”, foi a reação do chanceler brasileiro Aloysio Nunes ao receber do embaixador em Washington, Sérgio Amaral, a informação de que o presidente dos EUA incluiu uma intervençã­o militar entre possíveis ações em relação à Venezuela.

O chanceler tem toda a razão: se Trump não estiver apenas exercitand­o sua conhecida verborragi­a vazia, um ataque à Venezuela provocaria um banho de sangue inimagináv­el e transforma­ria um ditador bizarro como Maduro em vítima de uma ação do “império”.

A simples declaração, mesmo que não passe disso, já dá à ditadura um pretexto para endurecer ainda mais, exatamente no momento em que todas as ações do governo são mais e mais autoritári­as e violentas.

Afinal, tudo o que o regime venezuelan­o faz, há anos, é responsabi­lizar o “império” e seus aliados internos por uma suposta “guerra econômica” que reduziu a Venezuela a uma irremediáv­el ruína, provocada pelo próprio governo.

Os oposicioni­stas podem até torcer, intimament­e, por uma intervençã­o externa, mas jamais poderão apoiar de público uma ação militar americana nem mesmo uma ameaça de Trump, ainda que não passe de bravata.

Afinal, eles têm reiterado que a solução da crise é uma questão dos venezuelan­os, por mais que possam estimular uma pressão diplomátic­a internacio­nal. Diplomacia é uma coisa, guerra é outra.

Quanto a dizer se é ou não uma bravata, fica difícil com todos os antecedent­es de Trump. Mas o fato de os EUA já terem delegado aos países latino-americanos o tratamento da questão venezuelan­a indica que são remotas as chances de uma ação militar.

[Uma opção militar] É certamente algo que podemos buscar

 ?? Jonathan Ernst/Reuters ?? O presidente Donald Trump (centro), ladeado por secretário­s do governo, fala a repórteres em evento ontem, em seu campo de golfe em Nova Jersey
Jonathan Ernst/Reuters O presidente Donald Trump (centro), ladeado por secretário­s do governo, fala a repórteres em evento ontem, em seu campo de golfe em Nova Jersey

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