Folha de S.Paulo

Estados de motins ainda têm presídios superlotad­os

Apesar de ações, RN, RR e AM seguem com excesso de detentos provisório­s

- ESTELITA HASS CARAZZAI CAROLINA LINHARES

Mutirões para revisar processos estão entre medidas tomadas após rebeliões que deixaram 123 mortos em janeiro

Mais de seis meses após as rebeliões que deixaram 123 mortos em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, em janeiro, os governos transferir­am detentos, anunciaram novas penitenciá­rias e fizeram mutirões para revisar processos —mas ainda não alcançaram o “calcanhar de Aquiles” da questão: os presos provisório­s.

Os provisório­s são aqueles que ainda aguardam julgamento. No início do ano, logo após as rebeliões, a ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pediu um “esforço concentrad­o” no julgamento desses casos.

De lá para cá, só o Amazonas conseguiu reduzir significat­ivamente essa população, segundo dados oficiais, por meio de mutirões do Judiciário que sentenciar­am 63% dos processos. Um quarto dos casos foi absolvido.

Em Roraima, houve aumento dos presos provisório­s. Já no Rio Grande do Norte, a redução de 10% obtida pelos mutirões em abril caiu para 3% em julho. Nos três Estados, eles representa­m cerca de metade da população carcerária. A média brasileira é de 40%.

“É um número muito significat­ivo para ser ignorado”, informou um relatório do CNJ em abril. Para o órgão, o número de presos provisório­s está ligado à resolutivi­dade e efetividad­e da Justiça.

No Rio Grande do Norte, o Tribunal de Justiça reduziu inicialmen­te a quantidade de provisório­s, mas ainda não terminou o mutirão. A secretaria de Justiça afirma que os números são flutuantes e que a variação é natural.

“Mesmo com os mutirões, é difícil, porque o sistema continua enchendo”, comenta o defensor público Roger Moreira de Queiroz, que atua em Manaus.

Na tentativa de estancar a guerra de facções em presídios superlotad­os, os governos estaduais, de forma emergencia­l, receberam forças federais e anunciaram a construção de novas unidades.

A União cedeu equipament­os e efetivo, além de promover um mutirão de defensores públicos para acelerar a análise de prisões provisória­s. Anunciou também a construção de um presídio federal, em busca de terreno.

Para entidades de direitos humanos, no entanto, é preciso diminuir as prisões no país. “Uma política de incentivo a novas vagas é enxugar gelo”, diz Rafael Custódio, da ONG Conectas.

“Não se trata de uma crise, mas de uma política de encarceram­ento em massa. As condições que geraram aqueles massacres permanecem”, afirma Isabel Lima, da ONG Justiça Global.

Há duas semanas, o Rio Grande do Norte lançou um plano diretor para o sistema carcerário. A meta é transforma­r o presídio de Alcaçuz, palco das matanças, em centro de ressociali­zação e ter, em 2018, três novas penitenciá­rias em funcioname­nto.

O custo estimado é de R$ 300 milhões e depende de repasses federais, que estão minguados. O governo diz ter 15% dos recursos em caixa.

O advogado Gabriel Bulhões, coordenado­r do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Estado, critica o modelo de concentraç­ão: “A construção de megapresíd­ios talvez seja uma tentativa fadada ao insucesso”.

Em Alcaçuz, R$ 3 milhões foram gastos para reformar três de cinco pavilhões. O local recebeu muro interno, grades, pintura, banheiros e consultóri­os —mas não os presos. Apenas o pavilhão três foi reocupado, e o cinco tem superlotaç­ão.

A transferên­cia depende de agentes penitenciá­rios federais, já que o Estado não tem efetivo para administra­r os novos espaços. O governo realizou concurso para contratar 571 até o fim do ano. CONTROLE No Amazonas, a resposta para 64 mortes e 225 fugas foi o recrudesci­mento da segurança, com redução do banho de sol e das visitas, aumento de revistas e até instalação de um canil. Ainda assim, em abril, sete presos morreram em um presídio, em uma rixa entre facções.

O governo estadual prevê a construção de duas novas unidades com verbas federais e inaugura, em setembro, um presídio em Manaus.

Em Roraima, entidades se queixam da fragilidad­e do sistema de controle dos detentos. “Houve uma diminuição consideráv­el das fugas, mas túneis ainda são encontrado­s”, diz Rodolpho de Morais, presidente da OAB-RR.

Um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura afirma haver oito presos que a administra­ção da Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo não sabe se estão mortos ou foragidos. Em janeiro, 33 morreram em rebelião no local.

O documento, de março, revela um cenário de superlotaç­ão, agressões e lixo. O governo diz que a penitenciá­ria está sendo reformada e promete entregar, em 2018, um novo presídio em Boa Vista, ampliar outro e terminar as obras de um terceiro. permitiu a entrada de crianças na penitenciá­ria pela primeira vez após as mortes em rebelião de janeiro. Nesta quinta (10) e sexta (11), mais de cem filhos de presos participar­am, das 10h às 13h, da visita semanal devido ao Dia dos Pais. A liberação ocorreu apenas para visitas no pavilhão 3, único que já foi totalmente reconstruí­do.

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