Folha de S.Paulo

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Campeão mundial com a seleção em 1994, Mauro Silva segue caminho incomum para boleiros aposentado­s e se junta a dirigentes como vice-presidente da Federação Paulista de Futebol

- ALEX SABINO Com a seleção, Mauro Silva foi campeão mundial em 1994

DE SÃO PAULO

Mauro Silva, 49, se acostumou a ser diferente. Um dos mais importante­s volantes de sua geração, ele foi campeão mundial com a seleção brasileira em 1994. Encerrou a carreira de jogador de futebol sem ter vestido a camisa de nenhum grande clube.

Jogou por Guarani, Bragantino e La Coruña (ESP), em um carreira que durou 17 anos. Ao se aposentar, não desejou ser técnico. Não quis ser empresário de futebol. Virou sócio de empresa de empreendim­entos imobiliári­os. Hoje é dirigente de federação.

Desde 2015, é vice-presidente de integração de atletas da FPF (Federação Paulista de Futebol). Um cargo político que seria capaz de afastar quase a totalidade dos jogadores aposentado­s. Mauro abraça a função com gosto.

“Técnico tem de gostar muito de futebol. O [Arjen] Robben [atacante holandês] me disse que se você ligar para o Guardiola às 3h da manhã, ele vai ficar contente em conversar sobre tática. Eu lembro do [Javier] Irureta [técnico do La Coruña]. Via futebol o dia inteiro. Eu gosto, mas não tanto assim”, disse em entrevista à Folha em sua sala no segundo andar da sede da FPF, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Mauro Silva virou a face mais visível da administra­ção de Reinaldo Carneiro Bastos na entidade. Dá expediente no prédio e, quando não está lá, é porque viajou para visitar alguma equipe do interior. A rotina é a mesma. Escuta os problemas, promete analisar soluções, deixa seus números de telefone com o capitão e o treinador. Convida-os para almoçar na FPF.

Volante tão disciplina­do quanto eficiente, ele cabe bem no novo papel de dirigente. Diz que os jogadores precisam se aproximar da entidade porque a federação é “a casa do futebol”.

“Eu estou muito mais empenhado em ouvir do que em falar. Eles estão no dia a dia e nos mostram o que é preciso mudar. Choca um pouco porque você vê realidades diferentes”, confessa.

Em nome da FPF, é Mauro Silva quem ouve as reclamaçõe­s de que salários não são pagos, cada vez que visita times pequenos. Com tato, em um estilo mais diplomátic­o do que boleiro, tenta resolver telefonand­o para o presidente do clube. Reconhece que o máximo possível é perguntar o que está acontecend­o. Em campo, ele fazia de tudo para não fazer faltas. Na federação, vale o mesmo.

“A gente sabe que há vári- os dirigentes que herdaram equipes em situações financeira­s muito difíceis. Como todo profission­al, você tem compromiss­os no final do mês e tem de pagar. Isso é básico, ter o salário em dia. A gente tem se esforçado”, diz.

Experiente, sabe que há excolegas que torcem o nariz para o cargo que ocupa. Porque, no final das contas, ele tem de fazer um papel de defesa da federação.

Mauro Silva entrou de cabeça no sistema e não se incomoda com isso.

“No Brasil, quando é para reclamar tem fila de 200. Quando é para colocar mão na massa... Como a gente vai mudar o país se não participar, tanto na questão esportiva quanto política? Como vamos construir se não participar­mos?”, questiona.

“Se cada brasileiro acordar de manhã e pensar no que pode fazer para melhorar o país, o Brasil será uma maravilha”, completa o ex-jogador.

Frases como essas o credenciam para chegar à CBF

Comprei a idea. Se o atleta se prepara, pode contribuir muito. De longe, tudo parece mais simples de resolver

MAURO SILVA

vice-presidente da FPF em um dos cargos de vicepresid­ente. Seu nome já foi falado. É algo que ele não desmente ou confirma. Mais uma vez: político. LA CORUÑA É possível pensar que um dos motivos para Mauro Silva jamais ter jogado por uma grande equipe é ter se entreria gado a projetos de longo prazo por onde passou. Ele ficou 13 anos no La Coruña (ESP), onde conquistou o título espanhol de 2000, até hoje o único da equipe. Fez uma das maiores partidas da carreira na final da Copa do Rei de 2002. No centenário do Real Madrid, com a decisão disputada no estádio Santiago Bernabéu, o brasileiro levou seu time à vitória por 2 a 1.

Neste ano, foi homenagead­o com o título de maior jogador da história do clube. A câmara municipal de La Coruña aprovou por unanimidad­e projeto de lei para que ele seja nome de rua.

Mauro está consciente de que a idolatria não era pela sua exuberânci­a técnica. Havia outros mais capazes. Mas ele compensava pela disciplina, consciênci­a tática e lealdade inabalável ao clube.

“Tive propostas para sair, mas estava integrado na cidade e no clube. Quando tive lesão no tornozelo e o médico disse que eu talvez não jogasse mais, o presidente que- renovar meu contrato por mais quatro anos. Eu não aceitei”, lembra.

Na federação, ele é capaz de citar de cabeça mudanças nos regulament­os do Campeonato Paulista introduzid­as a pedido dos atletas: a permissão para aqueciment­o no gramado antes dos jogos e a liberação para o preparador de goleiros ficar no banco de reservas são exemplos.

Recita as conquistas para tentar mostrar que é possível aproximar a entidade dos jogadores. Garante ter fé cega na pregação que faz cada vez que visita um clube. Como se fosse Baltazar, um dos três reis magos, papel que desempenho­u em presépio montado em La Coruña quando era volante e símbolo da equipe.

“Eu comprei a ideia. Se o atleta se prepara, pode contribuir muito. De longe, tudo parece mais simples de resolver. De perto, vê que a coisas não são tão fáceis. O atleta pode contribuir, mas a realidade é muito diferente do que você imagina.”

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Mauro Silva durante entrevista na sede da federação paulista
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Arquivo Folhapress

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