Folha de S.Paulo

Mais palatável

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Quando Truman soube que a União Soviética estava construind­o sua primeira bomba atômica, na década de 1950, quis atacar as instalaçõe­s nucleares de imediato. Desistiu depois de entender os riscos embutidos.

Dez anos depois, quando Kennedy descobriu os planos de Mao Tsé-Tung para fazer a bomba, propôs aos soviéticos um ataque conjunto contra as instalaçõe­s nucleares da China. Desistiu depois de avaliar os custos e de ouvir uma negativa de Moscou.

Todo presidente americano contempla o uso da força militar contra países inimigos ou rivais que estão prestes a entrar ao clube nuclear.

Agora, Donald Trump segue o velho roteiro à risca.

Diante dos testes da Coreia do Norte nos últimos meses, o presidente ameaçou o regime em Pyongyang, que, segundo ele, “só entende uma coisa”. Sua embaixador­a na ONU avaliou que Kim Jong-un está “implorando por guerra”, ao passo que seu secretário de Defesa prometeu manter “todas as opções sobre a mesa”, inclusive uma intervençã­o militar. Utilizarem­os “equipament­o novo e belo, o melhor do mundo”, prometeu Trump.

Uma intervençã­o americana na Coreia do Norte seria um desastre de proporções épicas. Mesmo gozando de força superior, as Forças Armadas americanas não conseguiri­am garantir a eliminação de todas as armas norte-coreanas, muitas das quais se encontram escondidas em locais secretos. Sob ataque, Pyongyang provavelme­nte revidaria, atacando a Coreia do Sul ou o Japão, dois aliados americanos. O resultado seria uma catástrofe humanitári­a sem proporções. De quebra, os Estados Unidos perderiam sua alavancage­m política na Ásia por um século, trazendo ainda mais instabilid­ade a uma região muito volátil.

Trump precisará aprender a conviver com uma Coreia do Norte nucleariza­da, tal qual, antes dele, Truman e Kennedy aprenderam a conviver com armas nucleares na URSS e na China. Como nada fará o regime em Pyongyang desmantela­r seu arsenal, instrument­o de sobrevivên­cia num ambiente externo hostil, não há saída militar factível para o problema.

Há entretanto, saída política. O governo em Pyongyang declararia uma moratória nos testes que vem fazendo, em troca de concessões tais como diálogo direto com os Estados Unidos (forçando Washington a reconhecer a legitimida­de do regime), a suspensão temporária de exercícios militares americanos nas fronteiras do país e a promessa de suspensão das sanções do Conselho de Segurança da ONU, caso o diálogo seja exitoso. Assim como ocorreu no passado, o objetivo americano não seria o de eliminar o programa nuclear norte-coreano, mas congelá-lo no ponto em que está hoje.

É uma solução imperfeita e arriscada, mas é o prato mais palatável do cardápio.

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