Folha de S.Paulo

Inimizade capital

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A PRIMEIRA surpresa, na sessão desta quarta (13) do Supremo Tribunal Federal, veio do ministro Alexandre de Moraes, ex-ministro da Justiça de Michel Temer, tido como seu aliado até agora.

Também ele rejeitou o pedido de Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado de Temer, no sentido de considerar Rodrigo Janot “suspeito” para apresentar investigaç­ões e denúncias contra o presidente da República.

Foi um massacre —do qual não participou Gilmar Mendes, o mais ferrenho crítico do procurador­geral da República no STF.

A questão não era difícil. Um juiz, e por extensão, um membro do Ministério Público, podem ser considerad­os suspeitos ou impedidos de participar num processo. A lei prevê condições claras para que isso aconteça.

Mas qual lei? A única divergênci­a entre os ministros se abriu nesse ponto. Para o relator do caso, Edson Fachin, questões sobre o procurador-geral da República devem ser reguladas pelo regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Mas a maioria do STF considerou que a lei a ser seguida é o próprio Código do Processo Penal.

Ali, está estabeleci­do que será “impedido” o juiz ou o promotor que, por exemplo, for parente ou cônjuge do réu, ou que já tiver atuado no processo em outra ocasião, como advogado ou juiz em diferente instância.

“Suspeição” é matéria um pouco mais subjetiva. Seria necessário ver indícios de “amizade íntima” ou “inimizade capital” entre acusado e acusador, entre réu e juiz. Também se levanta a eventualid­ade de um juiz ou promotor terem aconselhad­o o possível réu sobre como se conduzir no processo.

Para a defesa de Temer, existiam esses dois motivos. Janot persegue Temer; falou, por exemplo, nas “flechadas” que estava disposto a desferir contra ele.

Só uma metáfora, considerar­am os ministros do STF. Janot estava dizendo apenas que, enquanto houver elementos e evidências de crime, continuará exercendo sua função constituci­onal.

De resto, era uma frase que se pode aplicar a qualquer suspeito; não visava a pessoa específica de Michel Temer.

Havia outro argumento: um subordinad­o de Janot, Anselmo Lopes, teria dado conselhos à defesa de Joesley Batista sobre como fazer um acordo de delação premiada.

Novamente o plenário do STF considerou o argumento insuficien­te. A suspeição teria de incidir sobre o comportame­nto individual de Janot, que não tem como responder, nesse caso, pelo que seus assessores façam ou deixem de fazer. De resto, o argumento se baseava apenas em matéria jornalísti­ca.

Por mais que se quisesse criticar Janot, não haveria como aceitar o pedido de suspeição.

Restava um segundo recurso apresentad­o pela defesa de Temer —e também por Cezar Bittencour­t, advogado de Rodrigo Rocha Loures.

Contestava-se todo o acordo de delação premiada dos donos da J&F. Para a defesa de Temer, seria necessário que o STF determinas­se a suspensão de qualquer nova denúncia contra o presidente. Era necessário investigar, por exemplo, as ligações de Marcelo Miller, na época assessor de Janot, com Joesley.

O advogado de Rocha Loures foi mais longe, insistindo na tese de que toda a conversa entre Joesley e Temer, no Palácio do Jaburu, não passava de armação.

Foi Marco Aurélio Mello quem reagiu mais vivamente. Nunca vi, disse ele, alguém pedir ao STF que impeça futuras ações do Ministério Público. Gilmar Mendes contradiss­e o seu colega.

Mariz de Oliveira disse que não queria impedir ninguém de atuar, mas apenas que, numa eventual denúncia, o STF a rejeitasse caso as circunstân­cias da delação não tivessem sido investigad­as a fundo.

Como contestar as provas de uma acusação, antes mesmo que esta seja formalizad­a? Seria esta a hora adequada para esse debate? A sessão foi suspensa, com essa pergunta no ar.

Por mais que se quisesse criticar Rodrigo Janot, não haveria como aceitar o pedido de suspeição

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