Folha de S.Paulo

É preciso impor freios à capacidade atômica do presidente

- JEFFREY BADER JONATHAN D. POLLACK

Pela primeira vez nesta geração há ansiedade generaliza­da sobre a possibilid­ade de uma guerra nuclear, estimulada pelas tensões extremas entre Coreia do Norte e EUA.

O secretário de Estado Rex Tillerson tranquiliz­ou os norte-americanos dizendo que poderiam dormir sossegados, um tipo de garantia que a maioria provavelme­nte nem gostaria de precisar ouvir.

Tillerson ofereceu o conselho para tentar diminuir o furor da imprensa em relação às ameaças trocadas entre Pyongyang e Washington. Suas palavras também refletem o profundo desconfort­o com o temperamen­to e (falta de) juízo dos dois líderes que podem começar uma guerra, Donald Trump e Kim Jong-un.

Tanto um como outro dão impressão de achar que podem se impor e intimidar com ameaças gravíssima­s. O problema é que as palavras têm consequênc­ias que nenhum dos dois parece perceber.

Será que devemos viver em um mundo em que dois líderes se veem às voltas com o holocausto nuclear?

O empenho dos norte-coreanos para a obtenção de armas nucleares obviamente exige uma política de contenção e dissuasão muito mais explícita por parte dos EUA e de seus aliados, de modo a impedir que Kim assuma opções ainda mais arriscadas.

Mas o que pode ser feito para restringir as ações de um presidente americano cuja estabilida­de mental já vem sendo questionad­a até pelo republican­o que preside o Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Corker?

Para limitar as chances de um conflito quase inimagináv­el, é preciso batalhar por um paliativo legislativ­o que já deveria ter sido implantado.

Segundo a Constituiç­ão dos EUA, somente o Congresso pode declarar guerra; apesar disso, nos inúmeros conflitos em que o país se envolveu desde a Segunda Guerra (1939-45), nenhum presidente pediu essa autorizaçã­o.

O principal motivo? As armas nucleares. Um acordo tácito rezava que o presidente precisava da maior flexibilid­ade possível para reagir a um ataque soviético, e o envolvimen­to do Congresso acarretari­a atrasos em um momento de crise. Assim, o comandante-em-chefe sempre teve poderes ilimitados para declarar guerra, incluindo ataques nucleares.

Entretanto, os estrategis­tas perceberam o risco de permitir que um único agente, em um silo em Dakota do Norte, provavelme­nte sob as condições mais estressant­es imaginávei­s, lance um ataque dessa magnitude —e é por isso que o sistema de comando e controle exige uma operação com duas chaves, que devem ser acionadas simultanea­mente, por duas pessoas, para ativar o lançamento.

Já está mais do que na hora de introduzir proteções semelhante­s no Executivo.

As circunstân­cias estratégic­as enfrentada­s pelos EUA hoje são diferentes das que existiam durante a Guerra Fria: apesar da maior tensão, desencadea­da pelo revanchism­o russo na Ucrânia e em pontos da Europa Central e Oriental, o risco de uma guerra nuclear vem de líderes malintenci­onados, com a Coreia do Norte no topo da lista.

E promessas presidenci­ais, quase casuais, de “fogo e fúria” geraram circunstân­cias extremamen­te perigosas.

Os EUA não devem, em absoluto, diminuir sua capacidade de reagir a uma investida convencion­al ou nuclear da Coreia do Norte contra seu território ou o de um de seus aliados; entretanto, é preciso instaurar um sistema de restrições para garantir que um ataque nuclear preventivo seja avaliado em um processo deliberati­vo e cuidadoso.

O Congresso deve revisar a lei que rege os poderes de guerra para incluir a possibilid­ade de ataques nucleares preventivo­s, o que impediria o presidente de simplesmen­te fornecer os códigos ao assessor militar que carrega a “maleta” nuclear e agir segundo sua autoridade.

A lei deve prever que um pequeno grupo, incluindo o vice-presidente, o Secretário de Defesa, o chefe do EstadoMaio­r Conjunto e os quatro líderes do Congresso e do Senado, consinta de maneira unânime. Assim, diversos indivíduos de olhos atentos, emoções estáveis e cérebros sãos poderiam impedir uma catástrofe resultante da falta de deliberaçã­o adequada.

A proposta levanta questões constituci­onais complexas; todos os governos até hoje considerar­am a lei dos poderes de guerra inconstitu­cional. Dar a pessoas indicadas pelo presidente e sujeitas às suas ordens o poder de veto formal sobre decisões militares pode ser problemáti­co e abrir precedente­s perigosos —e neste caso limitar o poderio à liderança do Congresso seria a melhor opção.

Mesmo na Guerra Fria havia risco imenso de ceder a uma única pessoa a autoridade de matar milhões em poucos segundos. Não há o que justifique permitir que um presidente americano retenha a autoridade absoluta em circunstân­cias completame­nte diferentes da Guerra Fria.

A garantia de que o armamento nuclear continua a ser o último recurso possível, a ser levado em conta somente após o consentime­nto dos líderes do Executivo e do Congresso, também acalmaria os aliados dos EUA, incomodado­s com a menção inconseque­nte de armas nucleares.

Isso não significa que Trump alimente o desejo de lançar um ataque nuclear; entretanto, os EUA têm que agir com prudência ao lidar com um Estado adversário isolado. No que lhe diz respeito, o Congresso tem poder de impedir reações imediatas e impulsivas que possam levar a um conflito mundial. Jeffrey Bader D. Pollack Jonathan

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Andrew Harrer-11.set.17/Zuma Press/Xinhua Donald Trump discursa em cerimônia do 11 de Setembro

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