Folha de S.Paulo

Hora de enterrar as carnes podres

- VINICIUS TORRES FREIRE

O BNDES deve vender a participaç­ão que tem na empresa dos encanados Batista, a JBS. É o que escreveu o presidente do bancão estatal de investimen­to, Paulo Rabello de Castro, em sua conta no Twitter, nesta quarta-feira (3).

“Chegou a hora de o BNDES resgatar os investimen­tos de todos nós brasileiro­s na JBS”, escreveu “@PRabello”.

Por que apenas a JBS? O BNDESPar, empresa de investimen­tos do BNDES, tem participaç­ões em outras três dúzias de companhias. Nenhuma é encrenca financeira ou criminal do tamanho da JBS (ou, mais importante no caso, nenhuma colocou uma corda no pescoço de Michel Temer). Ainda assim.

As relações entre Estado e empresa apodrecera­m ao ponto de se terem tornado outra vez uma ameaça ao que temos ou nos resta de política democrátic­a. Para fazer um resumo ameno, o conluio das castas políticas, burocrátic­as e empresaria­is resultou em:

1) Corrupção geral das instituiçõ­es, que muito contribuiu para a catástrofe dos últimos quatro anos; 2) Endividame­nto extra e letal do governo, da ordem de meio trilhão de reais, afora perdas com subsídios, uns 10% do PIB, tudo somado, por baixo; 3) Transferên­cias maciças de renda para os mais ricos dos mais ricos; 4) Concentraç­ão da propriedad­e da grande empresa, formação de oligopólio­s; 5) Centenas de bilhões em investimen­tos improdutiv­os; incentivos maciços para empresas investirem em “relações institucio­nais” (do lobby ao suborno), não em produtivid­ade.

Em suma, não deu certo. É preciso passar um trator nisso tudo, limpar o terreno, apartar Estado e empresa até pelo menos que “todos nós brasileiro­s” retomemos o controle sobre as instituiçõ­es de governo do Brasil.

O BNDES foi o braço forte financeiro da formação desses conglomera­dos, os maiores deles apenas aglomeraçã­o ou associação de bandidos (Petrobras, maior empresa do país; JBS, segunda maior; Odebrecht, sétima etc.). Não importa aqui se o BNDES foi ou não corrompido. O BNDES azeitou o funcioname­nto de um sistema corrupto.

Bancos estatais, que já haviam vitaminado algumas privatizaç­ões porcas dos anos FHC, se transforma­ram de vez em banqueiros da conglomera­ção nos anos Lula e Dilma. Financiara­m fusões, aquisições, salvações de empresas de telecomuni­cações, carnes, celulose, petroquími­ca, bancos, construção civil, combustíve­is, farmácia, softwares ou calçados, como tantas vezes se escreveu nestas colunas.Das50maior­esempresas­dopaís, o governo é dono ou sócio de 22.

O governo à cata desesperad­a de dinheiro quer reaver mais cedo as centenas de bilhões que colocou no BNDES. Por que não dar fim do BNDESPar? A empresa tem uns R$ 60 bilhões em participaç­ões societária­s. Não é o caso de liquidar tudo isso agora em um feirão, claro. Há bons economista­s e advogados para fazer um programa de venda rentável e sem picaretage­ns.

É possível imaginar os motivos pelos quais um banco qualquer teria uma carteira de ações. É mais fácil perceber por que um banco estatal brasileiro desta segunda década do século 21 não deveria estar nesse negócio. Não deu certo, é um dos motivos da catástrofe que nos desgraça faz quatro anos, que “todos nós brasileiro­s” vamos levar uma década consertand­o, se tudo der certo.

BNDES diz que vai se livrar da JBS, mas limpeza da relação suja entre empresa e Estado tem de ser maior

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