Folha de S.Paulo

Peça de marketing ruim, filme omite fatos fundamenta­is

- GUILHERME BOULOS

FOLHA

Quando o necessário combate à corrupção é transforma­do numa narrativa infantil do bem contra o mal, como ocorre em “Polícia Federal - A Lei É Para Todos”, cedo ou tarde vem a desconfian­ça. Depois de três anos, não cola mais a versão de que a Lava Jato representa a salvação nacional, enquanto Lula e o PT são o mal a ser combatido. No entanto, é precisamen­te isso que o filme tenta nos vender.

Os delegados da PF são retratados como heróis que agem por algum ideal superior. Sergio Moro é apresentad­o como juiz equilibrad­o e imparcial. Na cena que precede a condução coercitiva de Lula, ele questiona se a ação “é mesmo necessária”. Em seguida, orienta os delegados a “proteger a imagem do expresiden­te”. Nessa nem a velhinha de Taubaté acredita.

A operação de identifica­ção subjetiva com os protagonis­tas da Lava Jato passa ainda por técnicas primárias. Somos levados a acompanhar o drama familiar de Julio —que representa o delegado Márcio Anselmo— com seus pais. Do outro lado, Lula é apresentad­o como um tipo antipático e arrogante. A humanizaçã­o foi seletiva.

Outro ponto digno de nota é apelo a clichês de programas policiais de fim de tarde: “A gente prende, eles soltam”, diz delegada Bia.

A síntese política do filme está na questão repetida de “quem colocou o jabuti em cima da árvore”, ou seja, os responsáve­is últimos pelo esquema. Não há qualquer ambiguidad­e na resposta apresentad­a: Lula e Dilma. Os dois acontecime­ntos centrais são a condução coercitiva de Lula e o impediment­o de sua posse como ministro. Este é sugerido como o ato que salvou a Lava Jato. Decididame­nte é uma peça anti-Lula.

As críticas à operação são tratadas de forma estereotip­ada, com associaçõe­s à volta da ditadura ou à tortura. Não há referência aos questionam­entos sobre os excessos judiciais, a relação promíscua com setores da mídia e a politizaçã­o da operação.

Quem assiste ao filme também não encontra explicação de por que nenhum tucano foi preso na Lava Jato. Aliás, o personagem principal, o delegado Ivan, é o símbolo da isenção, chegando inclusive a se questionar se não seriam eles o jabuti sobre a árvore. Logo ele, que representa Igor Romário de Paula, delegado que declarou apoio a Aécio Neves e tratou a prisão de Lula como uma questão de “timing”.

Não há problema em um filme propagande­ar uma ideia. Mas, quando pretende relatar fatos reais, espera-se ao menos que não omita fatos fundamenta­is. A Lava Jato interrogou João Santana durante meses. Poderia ter pedido conselhos. Mesmo uma peça de marketing precisa ter boa qualidade. GUILHERME BOULOS

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