Folha de S.Paulo

Grandiosa, Lava Jato aguarda abordagem mais profunda

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

FOLHA

“Polícia Federal - A Lei É para Todos” tem um mérito inegável: manter o público interessad­o por mais de duas horas com pouquíssim­a ação acontecend­o na tela.

Não que seja uma obraprima. É um produto bemfeito, mas convencion­al do nosso cinema, que usa e abusa de alguns de seus vícios, como a muleta da narração em off.

Mesmo assim, consegue comunicar a grandiosid­ade dessa operação, que de começos humildes chegaria às mais altas esferas da política e da economia, algo inédito no Brasil.

Inevitavel­mente, um filme sobre a Lava Jato flutuará num espaço ambíguo entre a ficção e a realidade. As coisas se complicam ainda mais com a escolha de adotar nomes fictícios para os agentes da polícia e do Ministério Público.

Assim, Lula é Lula; Moro é Moro. Mas os agentes da Polícia Federal e da Procurador­ia são apenas personagen­s, sem expectativ­a de que correspond­am à realidade. Desta forma, servem também para criar uma polícia idealizada, 100% imparcial e lutando apenas por justiça.

Esse ideal de justiça é central para a sociedade. Contudo, encarnar esse ideal no mundo —com laços humanos, preferênci­as pessoais, zonas cinzentas da lei, etc.— não é trivial.

No filme, as dificuldad­es somem: os policiais são homens bons, apartidári­os, odeiam a corrupção da política mas são plenamente democrátic­os e respeitoso­s das instituiçõ­es. Um deles, inclusive, revela ter votado no PT no passado. São cruzados fazendo o bem contra tudo e contra todos.

Sabemos que, na vida real, há um ânimo anti-PT nos agentes da polícia. Não há nada de errado nisso.

O simplismo é ruim não por fugir à realidade (um filme não tem obrigação de ser uma descrição de fatos reais), mas porque passa por cima das complexida­des da condição humana, essa sim objeto universal da arte.

Em alguns momentos, a defesa da Lava Jato real dita as escolhas da direção. A escolha de Sergio Moro em vazar o áudio da conversa entre Lula e Dilma foi, sem dúvida, um momento crítico da operação. Legal ou ilegal? O debate persiste até hoje.

É também rico do ponto de vista humano: até onde esticar a lei na busca da justiça? Na apologétic­a do filme, foi uma ação trivialmen­te correta de um santo de toga.

Se você quer se entreter por uma tarde e, de quebra, entender melhor os primeiros passos da Lava Jato, “Polícia Federal” é uma ótima pedida. Mas a operação, que é um dos grandes acontecime­ntos do Brasil nos últimos anos, aguarda ainda um tratamento mais profundo.

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