Folha de S.Paulo

Efeito Mariana

Reparação ambiental de desastre da Samarco avança mais que a compensaçã­o social, mas ambas parecem seguir um rumo aceitável

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Dois anos após a tragédia que soterrou o subdistrit­o de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e enlameou a bacia do rio Doce com uma montanha de rejeitos do tamanho do Corcovado, vai se provando acertada a iniciativa de criar um órgão independen­te para comandar a mitigação do maior desastre da mineração mundial.

A Fundação Renova, que começou a funcionar dez meses depois do rompimento da barragem de Fundão, tem dotação mínima de R$ 11 bilhões da Samarco e suas controlado­ras (Vale e BHP Billiton) para reparações e compensaçõ­es até 2030. Já gastou R$ 1,8 bilhão.

Em pouco mais de um ano, a Renova reuniu consideráv­el portfólio de realizaçõe­s. Enviesado, porém.

A recuperaçã­o do ambiente afetado caminha mais rapidament­e que o previsto. Um conjunto de 101 tributário­s do Doce teve suas margens estabiliza­das e recomposta­s. O esforço de revegetaçã­o progride bem, mesmo onde o lodo derramado permanece sobre o solo.

Bem mais difíceis de regenerar, porém, são as chagas sociais.

Os 8.274 cartões distribuíd­os para pagamento de auxílio emergencia­l de um salario mínimo não configuram mais que um paliativo. Despendera­m-se cerca de R$ 500 milhões em indenizaçõ­es, mas o cadastrame­nto anda devagar, por complexa a comprovaçã­o de residência, renda perdida e prejuízos.

As 362 famílias por reassentar padecem de discrimina­ção em Mariana, cuja população anseia pelos empregos antes providos pela Samarco. Se tudo der certo, os ressarcime­ntos e os novos vilarejos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira estarão concluídos até 2019.

O escopo da Renova, entretanto, vai muito além. O termo de ajustament­o de conduta que lhe deu origem prevê ampla compensaçã­o socioambie­ntal. Sua missão é nada menos que ressuscita­r, por assim dizer, o Doce e seu vale, começando pela universali­zação de coleta e tratamento de esgotos.

Mais até que a mineração, séculos de pecuária extensiva e consequent­e erosão de encostas assorearam o rio. A fundação se compromete a refloresta­r 470 km² na região e recuperar 5.000 nascentes.

Produzir os 30 milhões de mudas necessária­s nem é o maior desafio, mas sim engajar a população e dezenas de entidades —associaçõe­s, sindicatos, órgãos públicos— num processo que não se limite ao meramente assistenci­al.

A estratégia adotada até aqui impõe laboriosa busca de consensos. Só no Comitê Interfeder­ativo ao qual a Renova responde há sete dezenas de organizaçõ­es. Incluindo as 42 câmaras técnicas que a assessoram, já se realizaram 1.715 reuniões com 53 mil participan­tes.

Ninguém imaginou que sanear o estrago feito pela Samarco seria simples nem rápido. Há, sim, chance de que o arranjo institucio­nal inovador logre o que a muitos terá parecido infactível: remediar tamanha agressão ao ambiente com um mínimo de justiça social. BRASÍLIA -

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