Folha de S.Paulo

Cadeia para quem precisa

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SÃO PAULO - A prisão é um castigo ultrapassa­do que as sociedades modernas utilizam mal. Ela até surgiu como um avanço humanitári­o, já que o encarceram­ento substituía a pena capital. Mas o tempo passou, o mundo e a criminolog­ia evoluíram, sem que o sistema jurídico, em especial a parte relativa à atribuição de penas, acompanhas­se.

Longos períodos de prisão têm modesto efeito sobre as taxas de criminalid­ade e alto custo social, tanto para o pagador de impostos como para condenados e suas famílias. No caso brasileiro, há o agravante de os presídios terem se tornado os celeiros nos quais organizaçõ­es criminosas recrutam e treinam seus quadros. Por qualquer análise racional, cadeias deveriam ter se tornado um último recurso, reservado a delinquent­es violentos cuja liberdade represente risco físico para a sociedade.

Isto dito, preocupa-me a perspectiv­a de que o STF venha a rever em breve a decisão, tomada um ano atrás, de permitir que réus passem a cumprir pena após condenação em segunda instância, e não mais o trânsito em julgado. O paradoxo é apenas aparente. Não defendo a decisão do STF devido à possibilid­ade de colocar mais gente atrás das grades, mas sim por aproximar nosso Judiciário, uma verdadeira jabuticabe­ira, dos sistemas vigentes na maioria das democracia­s consolidad­as, que tornam efetivas sentenças penais proferidas em segunda instância.

Nossa Justiça já é de uma lentidão exasperant­e. Exigir que sentenças só se cumpram depois que não houver nenhuma possibilid­ade de recurso não só lança na casa das décadas o prazo de alguns processos como ainda introduz uma série de incentivos perversos. Torna-se uma boa estratégia de defesa, por exemplo, entrar com recursos meramente protelatór­ios, visando à prescrição.

Dois eixos fundamenta­is para uma reforma do Judiciário são fortalecer as instâncias iniciais e reduzir nossa obsessão para com penas de prisão. helio@uol.com.br

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