Folha de S.Paulo

Lenha na fogueira

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Na terça passada, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, deu declaraçõe­s ao jornalista Josias de Souza, do UOL. Em suma, o responsáve­l pela área de segurança da gestão Temer disse o seguinte: 1) que o comando da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro é fruto de acerto com “deputado estadual e o crime organizado”, sem controle do governo local, e 2) que “comandante­s de batalhão são sócios do crime organizado”.

Em decorrênci­a da gravidade das afirmações, criou-se consideráv­el celeuma. Nesta sexta foi sorteado o relator da interpelaç­ão que o governador daquele Estado, Luiz Fernando Pezão, impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O escolhido, nada menos que o relator da Lava Jato, Edson Fachin, terá que avaliar se Jardim deve ser obrigado a apresentar os nomes dos agentes públicos que estariam ligados ao crime, conforme exige o Rio de Janeiro. Enquanto Fachin decide, pensemos.

Ninguém parece entender muito bem o que motivou o titular da Justiça a falar contra uma administra­ção que é do PMDB, assim como o ocupante do Planalto. Também não fica clara a posição do presidente da República. Informaçõe­s de bastidores dão conta de que 48 horas depois da entrevista, Temer recebeu o auxiliar e teria lhe pedido silêncio até baixar a poeira. Nenhuma explicação ou atitude com vistas a orientar uma compreensi­velmente aturdida opinião pública. Mas o descaso com a opinião pública faz parte do “style” planaltino atual.

Diante do desconheci­do, então, tomemos, apenas por hipótese, as intenções de Jardim pelo seu valor de face. O desenrolar das frases enunciadas parece traduzir o simples desejo de desabafar. A impotência gerada por quadro insolúvel teria levado o ministro a pôr a boca no trombone: “Nós já tivemos (...) conversas duríssimas com o Secretário de Segurança do Estado e com [o] governador. Não tem comando”.

No entanto, ainda que aceitando-se a trivial possibilid­ade de exaustão, é revelador o seguinte trecho da diatribe: “A virada da curva ficará para 2019, com outro presidente e outro governador”. Mesmo que a situação atual seja desesperad­ora —e devemos admitir que o seja, em função do congelamen­to dos gastos públicos— o horizonte prático apontado pelo declarante é o da eleição do próximo ano, com reflexos longínquos.

Ao despejar as esperanças numa espécie de solução mágica que saia das urnas, Jardim alimenta um perigoso salvacioni­smo, cujo desaguadou­ro costumam ser as falsas soluções de autoridade. No momento em que crescem candidatur­as cujo lema é mão firme para restabelec­er a ordem, trata-se de um rematado desserviço. Impensado, talvez.

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