Rede de mentiras
NUMA MESA de debates composta, além de mim, por três jovens produtores de conteúdo online e dois veteranos jornalistas, indaguei sobre as causas das furiosas correntes de fake news que circulam na internet. As respostas diferiam em tom, mas coincidiam no essencial: todos apontaram o dedo para as frustrações de pessoas ansiosas por serem ouvidas. A pergunta, uma armadilha, revelou que, como eu suspeitava, a ação política organizada passa quase impune até mesmo pelos filtros de internautas experientes. Não poucas pesquisas indicam que indivíduos frustrados certamente replicam odientas mensagens mentirosas, mas geralmente não as fabricam. A sentença iracunda que você lê numa rede social foi, lá na origem, elaborada por um agente político a serviço de um Estado, um partido ou um movimento.
A rede tornou-se refém da “guerrilha da informação”, que se utiliza de softwares destinados a selecionar públicos-alvo e robôs eletrônicos difusores de mensagens. O grande público pode não identificar os mecanismos da engrenagem, mas já intui seus efeitos. De acordo com pesquisa da BBC em 18 países, 79% dos entrevistados preocupam-se em distinguir o que é falso do que é verdadeiro no noticiário da internet. Os brasileiros destacam-se como os mais preocupados (92%), pouco acima de indonésios (90%) e nigerianos (88%), mas elevadas taxas de inquietação estendem-se também pelos países desenvolvidos, com a exceção parcial da Alemanha (49%).
Nos EUA, ano passado, segundo relato de Hillary Clinton, seus voluntários ouviram extensivamente, em subúrbios ajardinados, que a candidata “assassinou alguém, vendeu drogas e cometeu inúmeros crimes não relatados”. O dilúvio de fake news impulsionado por agências russas, talvez em cooperação com a campanha de Trump, utilizou-se de milhares de anúncios pagos no Facebook e no Twitter. Nas eleições francesas, sem o mesmo sucesso, o Kremlin mirou numa suposta homossexualidade de Macron. Agora, opera na crise separatista catalã.
Os ataques pessoais cumprem funções circunstanciais – mas, de modo geral, as guerrilhas da (des) informação apertam teclas padronizadas. Os partidos ultranacionalistas europeus disseminam notícias falsas sobre uma onda avassaladora de crimes sexuais perpetrados por imigrantes muçulmanos. O governo iraniano investe no tema da conspiração financeira e militar global urdida pelos judeus, um filão compartilhado por neonazistas, jihadistas, radicais terceiro-mundistas e até o governo populista húngaro.
Sabe-se que discursos odientos camuflados sob o manto da ciência, da investigação histórica ou da reportagem têm eficácia maior que mensagens brutais, sensacionalistas. Nos EUA, a “alt right” perde espaço para uma “alt lite” que, rejeitando a linguagem explícita do supremacismo branco, aponta suas baterias contra a “elite globalista liberal” e ancora seu nativismo no solo dos “valores” ou das “tradições”.
No Brasil, a fonte das principais correntes de fake news já não é a esquerda petista, pioneira da “guerrilha na internet”. Por aqui, uma “nova direita” aprendeu a multiplicar geometricamente o noticiário sobre corrupção, adicionando rumores e hipóteses ao alentado caudal de informações verdadeiras. Nossa “alt lite” aposta no rancor emanado da percepção de um mundo que se desfaz em caos.
Duas décadas atrás, celebravase a perspectiva de expansão da democracia oferecida pela informação em rede. Hoje, a palavra internet é cada vez mais associada à expressão “cultura do ódio”.
Farhad Manjoo, jovem e respeitado colunista de tecnologia do New York Times, sustenta que “a internet está afrouxando nossa compreensão sobre a verdade”. John Naughton, de Cambridge, sugere que a rede “tornou-se um Estado falido”. Estados autoritários aproveitam-se do desencanto para legitimar a censura, enquanto financiam as fake news.
A sentença iracunda que você lê numa rede social foi, na origem, elaborada por um agente político