Folha de S.Paulo

Submarino nuclear nacional enfim avança

Programa da Marinha sofreu com a falta de verba e desafios tecnológic­os; conclusão está prevista para 2029

- RICARDO BONALUME NETO

Odebrecht é parceira de franceses na construção, que é acompanhad­a pelo TCU em razão de acusações de corrupção

Depois de anos “rolando com a barriga” seu programa de construção de um submarino de propulsão nuclear por falta de recursos, a Marinha do Brasil está finalmente no rumo para obtê-lo.

Além dele, haverá quatro modelos convencion­ais modernos —o primeiro dos quais deve ser lançado ao mar no ano que vem.

Foi no distante 1979 que a Marinha começou o programa com o objetivo de dominar o chamado “ciclo” do combustíve­l nuclear —isto é, todos os passos tecnológic­os para partir do minério até “enriquecer” o urânio, tornando o material capaz de servir para geração de energia elétrica ou de propulsão de um navio.

Falta de verba atrasou o projeto, além dos enormes desafios tecnológic­os. Mas em 2008 foi feito um acordo de transferên­cia de tecnologia entre o Brasil e a França, para a produção de quatro submarinos convencion­ais e ajuda para a produção de um quinto, nuclear, embora a tecnologia do reator seja brasileira. O ciclo tinha sido, então, dominado.

O nome da entidade responsáve­l é difícil de lembrar: Cogesn (Coordenado­ria-Geral do Programa de Desenvolvi­mento de Submarino com Propulsão Nuclear). Seu coordenado­r é o almirante-deesquadra da reserva Gilberto Max Roffé Hirschfeld.

“Projetar é a palavra-chave”, diz o almirante Max, para quem o projeto de construção de submarinos (Prosub) envolve um tripé importante: o “arrasto” tecnológic­o que trará ao país, a nacionaliz­ação do equipament­o e da fabricação e a capacitaçã­o de pessoal. Ou seja, diz ele, “é um programa de Estado, não é só da Marinha”. Trata-se de transferên­cia de tecnologia em estado puro.

Ele acredita que há “90% de chance” de o primeiro submarino convencion­al ficar pronto no momento previsto.

Os submarinos convencion­ais são baseados na classe francesa Scorpène, embora sejam ligeiramen­te maiores —71,62 metros e 1.870 toneladas, em vez dos 66,4 metros e 1.717 toneladas da versão original, que a França não usa, mas exportou. BATALHAS O primeiro, já batizado Riachuelo, deve ser lançado ao mar no segundo semestre de 2018. Os três outros —Humaitá, Tonelero e Angostura— devem ser lançados em 2020, 2021 e 2022. Levam todos nomes de batalhas navais do século 19.

Já o submarino nuclear, chamado Álvaro Alberto, se espera que seja lançado em 2029. O nome é uma homenagem ao almirante que foi pioneiro na criação tanto do programa nuclear brasileiro quanto do Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (ainda hoje conhecido pela sua sigla original, CNPq).

A tecnologia nuclear para o submarino está sendo desenvolvi­da nas instalaçõe­s do CTMSP (Centro Tecnológic­o da Marinha em São Paulo), em Iperó, perto de Sorocaba, e no principal campus da USP, no Butantã, capital.

“Hoje temos um projeto exequível do submarino”, diz o almirante Max.

As obras em Itaguaí ainda não estão terminadas, mas já são impression­antes pelas dimensões. Cortes orçamentár­ios em 2015 diminuíram o ritmo, mas a atribuição de prioridade ao estaleiro e ao elevador de navios que deverá lançar os submarinos ao mar mantiveram o projeto razoavelme­nte no curso. 1.870 toneladas Tripulação: 35 homens Países que projetam e constroem submarinos com propulsão nuclear

Além do estaleiro, o complexo inclui uma base naval e a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas, que cuida da produção e montagem das estruturas internas dos submarinos.

Eles são construído­s em seções, como se fossem “fatias” de um filão de pão. Cada uma inclui equipament­os sofisticad­os, mas também uma incontável quantidade de tubulações, fiação, suportes. O submarino é de longe o mais difícil navio de guerra de ser construído. Por isso poucos países o fazem e apenas cinco dominam a tecnologia da versão nuclear (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido).

A parceria estratégic­a foi feita com a empresa francesa Direction des Constructi­ons Navales et Services (DCNS); a Construtor­a Norberto Odebrecht é a parceira nacional escolhida pelos franceses para as obras civis. LOCALIZAÇíO A empresa brasileira esteve vinculada a casos de corrupção. A Marinha, para evitar especulaçõ­es sobre o programa, insistiu em trazer o Tribunal de Contas da União para checar o programa desde o começo. Odebrecht e DCNS conjuntame­nte criaram a Itaguaí Construçõe­s Navais (ICN) para produzirem os submarinos.

A instalação da base e do estaleiro em Itaguaí teve vários motivos. Um deles é prático: bem ao lado fica a Nuclep (Nuclebrás Equipament­os Pesados), encarregad­a de produzir os anéis metálicos que são as seções dos cascos dos submarinos. Outros são operaciona­is e estratégic­os. Boa parte da indústria de ponta do país fica em São Paulo e no Rio de Janeiro.

E logo ali perto fica a base aérea de Santa Cruz, onde está a mais tradiciona­l unidade da Força Aérea Brasileira, o 1º Grupo de Caça, empregado na Itália na Segunda Guerra. O grupo costuma ter os mais modernos aviões da FAB. Perfeito para proteger o complexo de Itaguaí, sem dúvida um dos “alvos” mais apetitosos de qualquer inimigo que queira atacar o país.

O complexo inclui um túnel de 703 metros de compriment­o por meio do qual as “fatias” dos submarinos são transporta­das ao prédio principal do estaleiro de construção, ao sul da base.

Ali as seções são juntadas, os sistemas são integrados, e o elevador baixa o submarino ao mar. Docas secas permitirão a manutenção dos “barcos” —submarinos costumam ser chamados assim pelos submarinis­tas em vários países. Uma delas foi especialme­nte projetada para fazer a instalação do elemento combustíve­l, o urânio.

 ?? Cabo Vitor Lima de Oliveira ?? Construção de submarino convencion­al Humaitá na base e estaleiro naval de Itaguaí (RJ), dentro de programa que está a cargo da Marinha brasileira
Cabo Vitor Lima de Oliveira Construção de submarino convencion­al Humaitá na base e estaleiro naval de Itaguaí (RJ), dentro de programa que está a cargo da Marinha brasileira

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