Folha de S.Paulo

Livro amplia entendimen­to sobre a crise global de 2008

Diretor do FMI aponta erros regulatóri­os e políticos nos EUA e na Europa

- JOHN AUTHERS

Passados dez anos, não param de surgir livros sobre a crise financeira. Mas ela ainda não tem nome.

Muita gente a chama de “crise do Lehman”, mas o Lehman Brothers só quebrou um ano depois do colapso dos mercados de títulos de dívida, ou de “a crise do subprime” (o que implica que teria sido causada por empréstimo­s imobiliári­os a pessoas com históricos de crédito desfavoráv­eis nos Estados Unidos). O nome mais comum para ela, hoje, é “GFC”, sigla em inglês para “grande crise financeira”.

O impacto mais saudável de “Unfinished Business” (Negócio Inacabado), livro polêmico e bem escrito de Tamim Bayoumi, importante dirigente do Fundo Monetário Internacio­nal, talvez seja o de dar à crise um nome novo.

Para ele, o episódio deve ser conhecido como crise financeira do Atlântico Norte. Criada pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental, seus piores efeitos também acontecera­m nessas áreas.

A crise se perpetuou na Europa devido a falhas na estrutura política da zona do euro; mas em essência ela nasceu do sistema bancário inchado e repleto de incentivos perversos, dos países do Atlântico Norte.

Antes de 2007, os bancos dos Estados Unidos e do norte da Europa se envolveram em empréstimo­s irresponsá­veis, para imóveis nos Estados Unidos e para os países da periferia da zona do euro.

A crise surgiu quando as bolhas estouraram, colocando os bancos em sério perigo. No começo de 2007, qualquer pessoa em Wall Street teria dito que os ingênuos bancos europeus eram os mais entusiásti­cos compradore­s de títulos de dívida dúbios.

No nível seguinte, ele menciona uma série de erros das autoridade­s regulatóri­as na Europa e nos Estados Unidos. Todos pareciam defensávei­s, vistos isoladamen­te.

Primeiro, a Lei do Mercado Europeu Unificado encorajou os bancos a crescer e a tratar a União Europeia como um mercado único. Depois, o Tratado de Maastricht, em 1991, manteve a regulament­ação dos bancos assunto nacional, não da União Europeia. CORRIDA PARA BAIXO Isso levou as autoridade­s regulatóri­as a encorajar o desenvolvi­mento de “megabancos” nacionais, e uma “corrida para baixo”, quando eles começaram a oferecer condições de empréstimo cada vez mais lenientes.

Em seguida veio a Emenda de Risco de Mercado de 1996, uma decisão do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia que dispôs que as regras de capitaliza­ção que os bancos deveriam respeitar se baseassem nos modelos de risco internos desses bancos.

Essa decisão, propelida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), tinha por objetivo encorajar os bancos a levar a sério a gestão de riscos.

Mas ela tornou a fiscalizaç­ão mais difícil. Os bancos passaram a competir para encontrar modelos que lhes permitisse­m manter reservas de capital mais baixas, o que os tornava mais lucrativos —e mais vulnerávei­s.

Por fim, os EUA ampliaram a gama de ativos que os bancos podiam usar como caução em empréstimo­s de títulos de curto prazo entre instituiçõ­es, um tipo de transação de que os bancos dependiam para suas necessidad­es diárias de financiame­nto.

A regra os encorajou a criar títulos de dívida lastreados por contratos hipotecári­os e a manipular as agências de classifica­ção de crédito de forma a ter esses instrument­os classifica­dos em grau de investimen­to.

Bayoumi sugere que esses erros foram causados por excesso de confiança.

As autoridade­s regulatóri­as, lideradas por Alan Greenspan, então presidente do Fed, acreditava­m na hipótese do mercado eficiente, a de que o autointere­sse dos bancos os levaria a evitar excessos. Os reguladore­s usavam modelos que superestim­avam o poder da política monetária e subestimav­am os perigos representa­dos pela volatilida­de dos mercados de capitais. AUTOCORREÇ­ÃO Para corrigir esses erros, a regulament­ação precisa aceitar o fato de que os mercados não são capazes de se autocorrig­ir. Bayoumi também afirma que existe necessidad­e de uma nova macroecono­mia que leve em conta o papel central dos mercados.

Muitos economista­s estão tentando desenvolve­r novos modelos, mas até agora esses esforços ainda não apresentar­am muitos resultados óbvios. Enquanto isso, modelos que dependem de suposições negadas pela crise continuam em uso. Há de fato negócios inacabados a resolver. PAULO MIGLIACCI AUTOR TamimBayou­mi EDITORA Yale University QUANTO R$ 110,45 (livro digital; 296 págs.) FUTURO WTF? — What’s the Future and Why It’s Up to Us AUTOR Tim O’Reilly EDITORA HarperBusi­ness QUANTO R$ 46,70 (livro digital; 448 págs.)

Discute as transforma­ções e os riscos criados pelas tecnologia­s emergentes, especialme­nte o de aumento da desigualda­de que gere convulsões sociais. MEMÓRIAS Finding My Virginity AUTOR Richard Branson EDITORA Portfolio QUANTO R$ 31,90 (livro digital; 482 págs.)

Criador do grupo Virgin, que atua em setores variados, como música, comunicaçõ­es e viagens espaciais, reconta sua trajetória 20 anos após sua primeira autobiogra­fia.

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