Folha de S.Paulo

O infiel e o professor

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SÃO PAULO - David Hume é um de meus filósofos preferidos. Ele resgatou o ceticismo dos antigos, isolou a parte saudável da dúvida sistemátic­a e a aplicou a tudo, da teoria do conhecimen­to à religião passando pela psicologia. O resultado é uma filosofia pujante, que pautou boa parte dos pensadores subsequent­es, notadament­e Kant, e que permanece surpreende­ntemente moderna. Além disso, ele escrevia bem, indo sempre direto ao ponto.

Adam Smith é considerad­o o pai do capitalism­o. Não conheço economia o suficiente para julgar se o título é merecido, mas não há dúvida de que “A Riqueza das Nações” é um livro fundamenta­l, que, pouco tempo depois da publicação, já estava orientando a ação de governante­s.

A visão que se tinha desses dois grandes intelectua­is em sua própria época é bastante diferente. Hume, que nunca me pareceu particular­mente anticleric­al (pelo menos não na comparação com alguns franceses), era visto como um infiel, do qual pessoas respeitáve­is deveriam manter distância. Smith, que se apresentav­a não como economista (a profissão ainda não estava regulament­ada), mas como professor de filosofia moral, prezava como ninguém a discrição e a privacidad­e.

Hume e Smith eram grandes amigos e assim permanecer­am por toda a vida. Dennis Rasmussen, em seu “The Infidel and the Professor” (o infiel e o professor), explora os meandros dessa história que, embora não seja secreta, não é muito conhecida.

Ele mostra a influência que cada um deles exerceu sobre o outro e como suas ideias estavam próximas, revelando um Hume economista e reforçando o filósofo que existia em Smith. Aproveita para contar as intrigas em torno do Iluminismo escocês, como a célebre “briga” de Hume com Rousseau. É também interessan­te ver que a história pode reservar a grandes pensadores um papel bem diferente do que o que seus contemporâ­neos lhes atribuíam. helio@uol.com.br

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