Folha de S.Paulo

Gêmeo de vigia se recolhe após ataque em MG

Há um mês, Damião dos Santos incendiou creche em Janaúba, matando 11; Cosme, seu irmão, não foi ao enterro

- DANIEL CAMARGOS

Nomes dos dois são homenagens a santos protetores das crianças; agressor não atendia mais a telefonema­s FOLHA,

Quando os gêmeos, filhos de Joaquina e Patrocino Soares dos Santos, nasceram em Porteirinh­a, norte de Minas, a escolha de batismo foi homenagear os santos Cosme e Damião, considerad­os protetores das crianças.

Nascidos em maio de 1967, foram o sexto e sétimo filho da família, que chegou a 11.

São 11 também as vítimas de Damião Soares dos Santos, que há um mês incendiou a creche Gente Inocente, em Janaúba (MG).

As chamas mataram a professora Heley de Abreu Silva Batista, nove crianças com idades de 4 e 5 anos e o próprio Damião, além de deixarem dezenas de feridos.

O irmão gêmeo de Damião, Cosme Soares dos Santos, vive no distrito rural de uma pequena cidade, com menos de 10 mil habitantes, próxima a Belo Horizonte —a pedido dele, a reportagem não cita o nome da cidade. Também não aceitou ser fotografad­o.

Eles não são gêmeos idênticos. “Mas quem via sabia, com certeza, que éramos irmãos”, diz. Desde a infância, Cosme, que se considera mais alto e magro, chamava Damião pelo apelido: Dão.

O irmão, segundo ele, foi o único que veio de Janaúba para visitá-lo desde que ele mo-

COSME SOARES DOS SANTOS

irmão do vigia Damião dos Santos

Ele era muito inteligent­e e lia demais. O tempo inteiro. Eu falava com ele: ‘Moço, você vai acabar ficando sem memória desse jeito Quem via sabia, com certeza, que éramos irmãos

ra na atual casa, há 18 anos.

Os dois não conversava­m havia cinco anos. “Eu ligava e ele não atendia. Ele não era uma pessoa de ficar atendendo. Fui me afastando.”

A data da morte do pai, 5 de outubro, foi a mesma em que Damião incendiou a creche, o que levou a Polícia Civil de Janaúba a acreditar que a ação foi planejada. DIPLOMAS O irmão, de acordo com o agricultor, mantinha boa relação com o pai. Damião não casou nem teve filhos. Gostava de ficar sozinho.

Cosme deixou Janaúba em busca de trabalho, aos 17. Damião, pouco depois, rumo a São Paulo e Belo Horizonte, onde atuou como eletricist­a e em retífica de motores.

“Ele era muito inteligent­e e lia demais. O tempo inteiro. Eu falava com ele: ‘Moço, você vai acabar ficando sem memória desse jeito”, lembra.

Na parede da casa de Damião, conta, havia mais de dez certificad­os pendurados, de diferentes tipos de cursos.

Ele voltou a estudar, formou o segundo grau e chegou a cursar assistênci­a social, mas não concluiu. Em 2008, foi aprovado em concurso e começou a trabalhar como vigia da prefeitura.

Outra lembrança é que Damião sempre dava conselho para não beber. “Era o único que falava comigo para deixar essas bebidas”, recorda. Parou com o vício há três anos, desde que passou a frequentar a igreja Batista.

O vigia, segundo Cosme, nunca foi de briga, nem quando eles eram crianças. “Foi de muito pouca confusão até na escola”, recorda.

“Era meu irmão de coração. Não me deixava na mão. Confiava muito nele. Tinha os defeitos dele, mas não imaginava que seria o fim assim.” ‘PERDÃO’ Cosme descreve o irmão como uma pessoa tranquila. Sentado em uma mesa no terreiro de casa, ele respira fundo, coloca as palmas das mãos no rosto e diz: “Nunca imaginaria que o coração dele ia se fechar a esse ponto”.

Afirma que, se um dia encontrar o pai ou a mãe de alguma criança vítima do irmão, pediria perdão a eles. “Deus vai abençoar e dar o conforto que nós não podemos. Deus sabe o que faz e vai reforçar o coração deles”.

Cosme diz não ter nenhuma resposta sobre o que motivou a atitude do irmão. “Talvez foi uma depressão. Pode ser que ele estava doente”.

Se estava doente, diz, a família não percebeu. “Ele achava carinho na casa da minha mãe qualquer hora que fosse”. A pedido da família, Cosme não foi ao velório do irmão.

O caixão teve que ser carregado por funcionári­os do cemitério e por quem passava por perto no momento.

“Eu fiquei sentido de não ter ido. Mas eu ia fazer o que? Depois de tudo não poderia fazer mais nada. Preferi ficar quieto por aqui.”

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 ?? Prefeitura de Janaúba/Divulgação ?? Mural na volta às aulas de creche em Janaúba (MG) incendiada por vigia; ataque deixou 11 mortos, dos quais 9 crianças
Prefeitura de Janaúba/Divulgação Mural na volta às aulas de creche em Janaúba (MG) incendiada por vigia; ataque deixou 11 mortos, dos quais 9 crianças
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Reprodução/Facebook O vigia Damião Santos, que incendiou creche em Minas

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