Folha de S.Paulo

O inimigo vem de fora

- MAURICIO STYCER

EM TONS duros e alarmistas, Donald Trump colocou o tema da imigração no centro da campanha eleitoral, em 2016, nos Estados Unidos. Eleito com a ajuda desta retórica, logo propôs, em seu primeiro discurso ao Congresso, a criação de um sistema de triagem de imigrantes por “méritos”.

Os temores em relação a “roubo” de empregos, de um lado, e terrorismo, do outro, atingem dois alvos principais: os latino-americanos e cidadãos de países de maioria muçulmana.

Não por acidente, a escolha dos “vilões” de Trump coincide com a forma como imigrantes destes dois grupos são representa­dos por seriados de televisão nos EUA.

Uma pesquisa realizada pela The Opportunit­y Agenda, uma entidade que se define como um “laboratóri­o de comunicaçã­o de justiça social”, analisou 40 episódios de 25 séries populares, entre abril de 2014 e junho de 2016, buscando discrimina­r a representa­ção dos imigrantes por origem e raça.

A amostra incluiu, entre outros, episódios de “The Big Bang Theory”, “Empire”, “Sense 8”, “Scandal”, “Grey’s Anatomy”, “Arrow”, “The Walking Dead”, “NCIS”, “Modern Family” e “Orange Is the New Black”.

A primeira conclusão é que os imigrantes, embora sejam 13,5% da população americana, não ocupam mais do que 6% dos papéis nas séries analisadas. Especifica­mente, dos 1.164 personagen­s, principais ou secundário­s vistos nos 40 episódios, só 70 foram identifica­dos como imigrantes.

Mais impression­ante, 50% dos personagen­s caracteriz­ados como latinos aparecem associados a atividades criminosas. Essa ligação com crime surge em porcentage­m menor quando se trata de tipos que representa­m imigrantes negros (33%) e do Oriente Médio (25%) e bem mais baixa com europeus (9%).

O estudo sublinha que as comédias analisadas, em especial “Parks and Recreation” e “The Big Bang Theory”, lidam melhor com esta questão. “São um espaço onde a discrimina­ção contra imigrantes e as ansiedades relacionad­as às mudanças demográfic­as estão sendo desafiadas”, observa.

A pesquisa elogia, ainda, duas séries por seus “retratos matizados” de imigrantes, a ótima “Master of None”, protagoniz­ada por Aziz Ansari, disponível na Netflix, e “Fresh Off the Boat”, da rede ABC, inédita no Brasil.

Não conheço nenhuma pesquisa recente sobre a representa­ção de imigrantes na teledramat­urgia brasileira. Mas qualquer pessoa que assista televisão com alguma regularida­de nota, sem esforço, que há uma lacuna grande aí.

A novela “Sol Nascente”, exibida pela Globo entre agosto de 2016 e março deste ano, por exemplo, deu destaque a um núcleo japonês na trama. Mas não conseguiu fugir da mera caricatura e ainda caiu no ridículo ao escalar como protagonis­tas deste grupo de personagen­s, nos papéis de Kazuo e Alice Tanaka, os atores Luís Melo e Giovanna Antonelli.

Bem mais visível é a problemáti­ca representa­ção do negro na TV. O estudo mais conhecido, “A Negação do Brasil – O Negro na Televisão Brasileira”, do cineasta e pesquisado­r Joel Zito Araújo, é de 2000, mas pouca coisa mudou nesse tempo todo, como salta aos olhos da leitura de “Na Minha Pele”, o livro autobiográ­fico do ator Lázaro Ramos.

Para não ir muito longe, basta ver a recém-encerrada “A Força do Querer”. É verdade que a novela escapou de um clichê clássico (as empregadas eram brancas), mas o personagem negro de maior destaque foi o chefe do tráfico de drogas. A reiteração desse padrão serviu, ao menos, para tornar mais conhecido Jonathan Azevedo, o talentoso ator que deu vida a Sabiá.

Pesquisa mostra que 50% dos personagen­s latinos em séries de televisão americanas são criminosos

mauriciost­ycer@uol.com.br

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