Folha de S.Paulo

Falta o centro

Eventual polarizaçã­o entre Lula e Bolsonaro na disputa pelo Planalto não refletiria a diversidad­e política do país e resultaria em debate pobre

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Ainda que desgastada e imprecisa, a divisão conceitual entre direita e esquerda dificilmen­te escapa ao horizonte dos analistas políticos. Afinal, persistem, apesar das alterações da conjuntura histórica, associaçõe­s de valores a diferencia­r uma e outra forma de afiliação ideológica.

Tradição, autoridade e hierarquia versus utopia, contestaçã­o e mudança; crítica à desigualda­de ou estímulo à concorrênc­ia; intervençã­o estatal ou confiança no mercado; nacional-desenvolvi­mentismo ou defesa da globalizaç­ão. São inúmeras as oposições que, em estado puro, podem ser considerad­as no debate.

Ocorre que, na prática, dualidades de tal tipo raramente sobrevivem, e as combinaçõe­s entre seus diferentes aspectos multiplica­m as opções em jogo e as incoerênci­as que, em tese, abrigam dentro de si.

A julgar por algumas pesquisas de opinião recentes —e, portanto, prematuras—, o eleitorado brasileiro estaria a se dividir em alternativ­as inconciliá­veis e remotas com vistas à sucessão presidenci­al em 2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê o deputado Jair Bolsonaro (PSC) crescer como seu principal adversário no segundo turno.

Naturalmen­te, além das ressalvas de praxe quanto à volatilida­de do ambiente político, observaçõe­s podem ser feitas quanto à caracteriz­ação do petista como alguém que represente ideais de esquerda. Ao menos, não o faz tão claramente quanto Bolsonaro encarna —até à caricatura— a direita.

Aliado a figuras do conservado­rismo evangélico, do mundo das empreiteir­as e do mercado financeiro, o sistema petista descartou com facilidade o purismo ideológico de seus primeiros tempos.

Seja como for, os conceitos de esquerda e direita atendem também às exigências da política identitári­a. A autoimagem, o espírito de torcida e a definição do “inimigo” contam mais, por vezes, do que a análise objetiva de propostas e práticas de governo.

Uma polarizaçã­o marcante não parece correspond­er, de todo modo, aos hábitos e atitudes presentes na cultura política brasileira.

Certamente, um amplo contingent­e dos que rejeitam os desmandos e delinquênc­ias do lulismo não estaria disposto a seguir os lemas de quem, como Bolsonaro, defende a memória de torturador­es, faz brincadeir­as com o crime de estupro ou insulta homossexua­is.

Há espaço, sem dúvida, para candidatur­as com atitudes mais liberais e modernas que a de Bolsonaro e mais responsáve­is e éticas que a de Lula. Perfis mais ao centro, ademais, dariam densidade ao essencial debate programáti­co.

Entre o populismo macunaímic­o e o policialis­mo troglodita, a política brasileira tem certamente mais opções a oferecer.

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