Folha de S.Paulo

Putin, judaísmo e diplomacia

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi, segunda: Mathias Alencastro

NUMA DAS paredes do hall principal do Museu Judaico e Centro da Tolerância, inaugurado em Moscou há cinco anos, aparecem nomes de seus principais doadores. “Vladimir Vladimirov­itch Putin”, anuncia uma das placas.

Além do aporte de recursos próprios, a digital de Putin também se identifica por meio de apoio financeiro inicial do Kremlin à instituiçã­o, atualmente sustentada por doações particular­es.

Putin cultiva laços com a comunidade judaica da Rússia de maneira incomum para um ocupante do Kremlin. A história russa, no czarismo ou na era soviética, coleciona momentos trágicos de antissemit­ismo, fantasma ainda a rondar o país, com grupos ultranacio­nalistas, mesmo que diminutos, orbitando às margens da sociedade.

O presidente russo costuma lembrar a convivênci­a, na infância, com o judaísmo. Vivia em Leningrado (atual São Petersburg­o) e, quando seus pais se ausentavam devido ao trabalho, o pequeno Vladimir encontrava companhia numa família vizinha, de judeus, que o colocavam à mesa para refeições e para concluir tarefas escolares.

Outros integrante­s da comunidade judaica russa, estimada hoje em 265 mil pessoas, marcaram a vida do futuro dirigente.

Adolescent­e, Putin frequentou, na escola de ensino médio 281, aulas de alemão da professora Mina Yudistkaya Berliner, que se mudou para Israel em 1973.

Na visita oficial a solo israelense, em 2005, Putin se reuniu com a antiga docente. Fez questão de convidá-la para um chá, no hotel David Citadel, em Jerusalém.

Putin também construiu relação de proximidad­e com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Visitas e contatos telefônico­s são frequentes, assim como demonstraç­ões de apreço ente eles.

No ano passado, por exemplo, o presidente russo passou cerca de oito horas em Moscou com o visitante israelense, incluindo uma escapada noturna para uma visita ao Teatro Bolshoi.

A convivênci­a com o judaísmo e rapapés diplomátic­os, no entanto, não escondem diversos atritos nas relações entre Rússia e Israel. De qualquer forma, contribuem para fortalecer o diálogo.

Na agenda bilateral, o ponto nevrálgico da discórdia se chama Irã. Putin, na semana passada, desembarco­u em Teerã, para encontro com a liderança de um dos principais aliados de Moscou nas esferas diplomátic­a, comercial e militar.

Putin e a teocracia iraniana ainda aprofundar­am laços, sobretudo no campo bélico, para salvar o regime do ditador Bashar Al-Assad.

Já Netanyahu teme que governo iraniano consolide posições militares em solo sírio, abrindo mais uma frente para eventuais ataques contra Israel.

Força principal no tabuleiro da Síria, Putin enfrenta a desafiador­a tarefa de se equilibrar entre demandas dos arqui-inimigos Irã e Israel.

Caberá a Moscou encontrar uma solução capaz de satisfazer as ambições iranianas de expandir influência em território sírio e responder às preocupaçõ­es israelense­s de lidar, na vizinhança, com um regime cujo discurso proclama o fim do Estado judeu.

Caso Putin não consiga desenhar na Síria arquitetur­a palatável a Irã e a Israel, crescem as chances, no futuro próximo, de um conflito armado no Oriente Médio.

Na Síria, presidente russo precisa se equilibrar para atender as demandas dos arqui-inimigos Irã e Israel

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