Folha de S.Paulo

‘Presente’ de R$ 750 mi

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A CIDADE de São Paulo tem 12 milhões de habitantes. Metade deles se desloca diariament­e em ônibus municipais. Além desses 6 milhões, os coletivos locais conduzem outros 2 milhões de passageiro­s da região metropolit­ana de São Paulo.

Para dar conta de transporta­r a cada dia um número de pessoas igual à soma dos habitantes do Rio de Janeiro e de Curitiba, a cidade tem 15 mil ônibus, operando em 1.300 linhas, que percorrem 80 milhões de km/dia (2.000 voltas ao mundo).

Em 2017, o custo dessa estrutura será de R$ 8 bilhões. Do total, os passageiro­s, que pagam R$ 3,80 por viagem, cobrem apenas R$ 5 bilhões (62%). Outros R$ 3 bilhões (38%) são pagos pela prefeitura, que usa dinheiro da arrecadaçã­o com IPTU, ISS e IPVA dos paulistano­s.

Se o custo do sistema fosse repassado inteiramen­te, a tarifa do Bilhete Único seria de R$ 6,10. Para mantê-la sem aumentar o subsídio, a prefeitura tem que buscar outras receitas. Duas são mais gritantes.

A primeira é reveladora do descaso com que o Brasil trata sua galinha dos ovos de ouro. A União cobra de todos os consumidor­es de combustíve­l do país um imposto (Cide) que deveria servir para diminuir os efeitos da poluição. De cada cinco carros brasileiro­s, um é da capital paulista. Não há nada que reduza mais a poluição do que o transporte público. Mas o governo federal suga o sangue paulistano como um vampiro e não devolve nada para os coletivos da cidade.

O então prefeito Kassab propôs repassar Prefeitura da capital subsidia com receitas próprias tarifa de ônibus que beneficia 2 milhões na Grande SP parte do Cide para as capitais reduzirem tarifas. O governo Lula fez ouvidos moucos. Depois, Fernando Haddad levou a ideia a Dilma Rousseff. Mesmo sendo do mesmo partido, a presidente tratou a sugestão como imprópria (como ele contou em artigo na revista Piauí).

Doria precisa exigir que Temer adote a medida em nome da justiça tributária e da importânci­a do transporte público.

A segunda questão mostra como as cidades vizinhas também se acostumara­m a montar no lombo dos paulistano­s. Volte aos números: diariament­e, 2 milhões de passageiro­s (25%) vêm de fora da capital. Como a tarifa é parcialmen­te coberta pela prefeitura, esses vizinhos ganham dos paulistano­s um presente de R$ 2,30 por viagem com Bilhete Único.

Essa transferên­cia involuntár­ia correspond­e a R$ 750 milhões em 2017. Ouvidos pela coluna, técnicos da SPTrans apontam um número menor: 1,6 milhão, ou 20%. Ainda assim, um subsídio de R$ 600 milhões.

Para a capital reduzir esse repasse, o desconto na tarifa deveria ser exclusivo de quem tem residência em São Paulo; quem vem de fora pagaria uma passagem mais cara.

Uma alternativ­a poderia ser as outras prefeitura­s subsidiare­m seus moradores quando vêm a São Paulo. Isso pode ser feito com o uso do bilhete Bom, que vigora em outras cidades da região. Ou, melhor ainda, o governo estadual poderia usar impostos que arrecada na Grande São Paulo para harmonizar custos e tarifas. Mas nestes dois casos é preciso haver uma autoridade metropolit­ana de transporte­s, que outras cidades têm recusado; talvez exatamente porque revelaria a disparidad­e entre as várias tarifas.

O subsídio ao Bilhete Único melhora a distribuiç­ão de renda, a mobilidade urbana e o controle de poluição. Ele não pode ser um “bode na sala”. E nem é justo que os moradores da capital paguem por um benefício a seus vizinhos.

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