Folha de S.Paulo

A escolha do tema do ensino

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Marcado por uma controvérs­ia sobre direitos humanos, o Enem deste ano teve novamente uma proposta de redação relacionad­a ao tema.

A prova pediu um texto dissertati­vo sobre “desafios para a formação educaciona­l de surdos no Brasil”, no qual os candidatos deveriam apresentar uma“proposta de intervençã­o que respeite os direitos humanos”.

O tema está alinhado com o das edições anteriores do exame. Das últimas 19, 11 tratavam de algum assunto relacionad­o a direitos humanos.

Neste ano, porém, decisão judicial proibiu que redações fossem anuladas por desrespeit­o a esses direitos. A decisão atendeu pedido do grupo Escola Sem Partido sob a justificat­iva de defesa da liberdade de expressão.

Presidente do Inep, instituto que aplica o exame, Maria Inês Fini afirmou que o pedido da redação é coerente com uma das cinco competênci­as do exame: “Elaborar proposta de intervençã­o para o problema abordado, respeitand­o os direitos humanos”.

O que foi questionad­o judicialme­nte não foi essa competênci­a, mas o item que tratava de motivos de anulação da prova, argumentou.

Assim, estudantes ainda podem zerar em um dos critérios de correção ao desrespeit­ar os direitos humanos, o que faria a nota cair 20%. TEMA de surdos ocorreu na primeira edição do Enem em que candidatos com deficiênci­a auditiva tiveram acesso a uma Videoprova, com tradução em Libras.

Para Sérgio Paganin, professor do Anglo de São Paulo, o tema dá uma vantagem especial a candidatos com boa capacidade de leitura. “Por ser um assunto que os alunos dominam pouco, espera-se que a coletânea de textos de apoio ajude o candidato a construir uma reflexão.”

O material de apoio incluía a lei que trata da questão, um gráfico mostrando a queda no número de alunos surdos na educação básica, um texto sobre a história do ensino a pessoas com a deficiênci­a e um anúncio sobre a discrimina­ção desse público por empresas. Não havia menção a estratégia­s de ensino adotadas.

Especialis­ta em educação inclusiva, Maria Teresa Mantoan, professora da Unicamp, diz ser interessan­te chamar atenção para a inclusão. Por outro lado, pondera, o ensino de surdos envolve conhecimen­tos específico­s não dominados por grande parte dos alunos brasileiro­s.

A educadora Mônica Amoroso pontua ainda que há uma grande diversidad­e entre os alunos com a deficiênci­a, o que demanda diferentes abordagens (leia ao lado).

“Alunos surdos filhos de pais ouvintes muitas vezes chegam à escola sem língua alguma, nem a de sinais nem o português. Já a situação de crianças que perdem a audição após aprender português é totalmente diversa”, afirma. Ainda assim, ela aprovou a proposta, por exigir argumentaç­ão sobre a inclusão.

O tema surpreende­u os candidatos. “Acho que nunca tinha lido sobre o assunto”, afirmou Dênis Jarbas, 21.

Glória Pereira, 17, que também foi pega despreveni­da, disse que conseguiu desenvolve­r seu argumento, de que não há esforço contundent­e do governo para incluir surdos, com base no que sabia e nos textos de apoio. PROVA Além da redação, a prova deste domingo teve também questões sobre ciências humanas e linguagens.

Para Paulo Moraes, diretor de ensino do Anglo Vestibular­es, o exame de geografia foi bem feito, e o de português, denso. Na sua avaliação, a prova foi mais difícil que as de anos anteriores. “Era preciso estar ligado em atualidade­s. Subiu-se um pouco a régua.”

Para Célio Tasinafo, coordenado­r pedagógico da Oficina do Estudante, de Campinas (SP), a prova foi carregada de questões sobre direitos humanos. O tema que esteve no centro do debate nos dias anteriores ao Enem apareceu em perguntas sobre a declaração universal dos direitos humanos e terras indígenas.

“A diversidad­e de linguagens, contemplan­do vários gêneros, como poesia, propaganda e imagens, também foi uma marca desta prova. O aluno que se preparou para lidar com essas diferentes linguagens se saiu melhor”, afirma Tasinafo.

Entre os textos de apoio às questões, havia músicas de Chico Buarque e Racionais, além de trechos de José Saramago e Clarice Lispector. Perguntas de ciências humanas abordaram, por exemplo, as medidas do corpo da Barbie e a apropriaçã­o de elementos do cangaço pela moda.

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Adriano Vizoni/Folhapress Alunos chegam na Uninove da Barra Funda (zona oeste de São Paulo) para o primeiro dia do Enem, que teve redação

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