Folha de S.Paulo

De pessoas que não tinham cometido crimes.

- MARILICE DARONCO COLABORAÇíO DA EM PORTO ALEGRE

FOLHA,

O que faz um pai matar toda a família? O que leva uma pessoa que parecia ser muito tranquila a atirar em outra por uma discussão no trânsito? O que se passa na cabeça de um homem que ejacula em alguém em um ônibus?

A diversidad­e de programas ficcionais, principalm­ente séries, sobre o que se passa na mente dos criminosos é uma prova de como esse assunto desperta interesse geral.

Na ciência não é diferente. Há muito tempo, pesquisado­res buscam descobrir os fatores por trás do comportame­nto violento. E, cada vez mais, o cérebro tem aparecido como peça chave no caminho para uma resposta.

Mas é possível decifrar a anatomia da violência?

Alguns especialis­tas afirmam que sim. Em seus estudos, o psiquiatra britânico Adrian Raine, da Universida­de da Pensilvâni­a, analisa desde crianças, para saber como o comportame­nto se desenvolve, até presos em cadeias de segurança máxima.

Raine, que esteve no Brasil participan­do do 14° Congresso Mundial sobre Cérebro, Comportame­nto e Emoções, em Porto Alegre, sugere que a propensão à violência ocorre pela soma de alterações nas funções cerebrais causadas pela genética e pelo ambiente —como má alimentaçã­o nos primeiros anos de vida.

Dizer que o cérebro é um dos responsáve­is pela propensão à violência pode parecer simples hoje, mas durante anos despertou bastante questionam­ento.

Sobretudo porque, por mais que não houvesse ligação, as pesquisas da chamada neurocrimi­nologia —que reúne em seus estudos áreas como neurociênc­ia, genética e saúde pública— algumas vezes eram associadas à frenologia do século 19, usada para sustentar estereótip­os raciais acerca do comportame­nto criminoso.

Raine, porém, diz que o que ele e outros pesquisado­res buscam não é o que mostra o filme “Minority Report”, no qual todos os crimes podiam ser previstos e os criminosos, providenci­almente contidos.

O pesquisado­r começou a fazer tomografia­s cerebrais em homicidas em prisões americanas nos anos 80. Ele foi um dos primeiros a comparar exames cerebrais de assassinos condenados com o ANATOMIA DA VIOLÊNCIA Essas pesquisas incipiente­s já mostravam que os cérebros dos homicidas tinham uma redução significat­iva no córtex pré-frontal em relação aos demais participan­tes do estudo.

À medida que as pesquisas avançaram, conta Raine, ele e outros neurocient­istas começaram a chegar a resultados semelhante­s sobre a relação dessa diferença com maior propensão a comportame­ntos violentos.

“Nessas pessoas, existe um menor controle sobre o sistema límbico, responsáve­l por emoções como a raiva, e redução do autocontro­le.”

O neurologis­ta Ricardo de Oliveira Souza, da Unidade de Neurologia Comportame­ntal e Cognitiva da Rede D’Or Labs, resume um dos principais avanços no que diz respeito às pesquisas que ligam o cérebro à violência: não estudar os fatores biológicos isoladamen­te dos ambientais. “O que está em jogo quando se julga responsabi­lidades individuai­s, tanto boas quanto más, é o indivíduo, e não seu cérebro. Desconecta­do do corpo, o cérebro não significa nada.”

É por isso que o neuropsicó­logo Vitor Geraldi Haase, professor da Universida­de Federal de Minas Gerais, afirma que é possível falar de uma anatomia da violência, porém com algumas ressalvas. PROBABILID­ADE Há mais de 30 anos o pesquisado­r estuda correlaçõe­s anátomo-funcionais entre o cérebro e o comportame­nto. Segundo ele, alterações em determinad­as áreas ou circuitos cerebrais, seja sob a forma de aumento, seja de diminuição do nível de atividade, podem predispor o indivíduo a

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