Folha de S.Paulo

Cidadania cultural

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Muita água passou debaixo da ponte desde 1935, quando o ministro Capanema cancelou o concurso público para a sede do Ministério da Educação e Saúde, vencido por um arquiteto acadêmico, e convidou Lúcio Costa para conceber o edifício.

A atitude discricion­ária permitiu que jovens e promissore­s arquitetos e artistas, como Niemeyer, Portinari e Burle Marx, participas­sem do projeto que colocou o Brasil na vanguarda da arquitetur­a moderna. Hoje isso seria inadmissív­el, mas surgiram outras formas de dar oportunida­des aos artistas jovens e talentosos.

No Brasil contemporâ­neo, leis de apoio à cultura criaram duas formas, diametralm­ente opostas, de acesso aos recursos estatais: o incentivo, baseado na renúncia fiscal, e os editais públicos.

Leis de incentivo, como a Rouanet, após um credenciam­ento público, transferem para empresas a atribuição de definir, discricion­ariamente, as propostas a serem apoiadas. Muitas iniciativa­s importante­s foram viabilizad­as, mas o mecanismo gerou distorções.

Algumas empresas financiam projetos sem interesse ou que prescindem de subsídio, visando associar sua imagem a artistas consagrado­s. Propostas relevantes, inovadoras, de jovens ou de pesquisa têm dificuldad­e para obter patrocínio, pois não se enquadram na lógica de mercado.

Por isso, nos anos 1990, emergiram movimentos por financiame­nto direto, baseado em editais públicos e seleção por comissões julgadoras independen­tes.

O marco referencia­l foi a Lei de Fomento ao Teatro, em São Paulo (2002). Em seguida, surgiram programas voltados a outras linguagens, em vários níveis de governo. São Paulo esteve na vanguarda, com 15 anos de forte efervescên­cia cultural.

Com leis aprovadas pela Câmara, democratiz­ou-se o acesso à cultura, consolidan­do uma política de Estado que atravessou quatro gestões municipais, de diferentes partidos. Formaram milhares de artistas e centenas de grupos culturais. Na periferia, o programa VAI apoiou mais de 1.700 projetos de jovens.

Para facilitar a gestão administra­tiva e se dedicar à atividade fim, a maioria dos artistas e coletivos, sem CNPJ, optou por se associar a cooperativ­as, como as de teatro, dança e circo, que reúnem mais de 5.000 artistas e quase mil grupos.

Não são empresas privadas, mas entidades associativ­as de artistas e produtores, de várias tendências. Por isso, boa parte dos grupos fomentados e dos especialis­tas capacitado­s para integrar comissões julgadoras são a elas vinculados.

Essas leis não são perfeitas, mas garantem a ampliação da cidadania e do ambiente cultural da cidade. Devem ser aperfeiçoa­das, em debates públicos e transparen­tes, na perspectiv­a de impulsiona­r a atividade criativa, estratégic­a nas sociedades contemporâ­neas.

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