Folha de S.Paulo

Ciência é investimen­to

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

VIVER É compartilh­ar. Tem muita gente compartilh­ando ódio, mas tem muita gente compartilh­ando amor, conhecimen­to e suas legítimas, respeitosa­s e respeitáve­is opiniões.

Hoje compartilh­o este nobre espaço com uma grande amiga e cientista brasileira, Lygia da Veiga Pereira, professora titular e chefe do Laboratóri­o Nacional de CélulasTro­nco Embrionári­as da USP.

Lygia e tantos outros cientistas vêm nos alertando sobre a importânci­a da ciência e da tecnologia para o cresciment­o sustentáve­l da sociedade e da economia brasileira.

Com a palavra, Lygia: “‘Ciência não é gasto —ciência é investimen­to!’ Com esse bordão, nós, cientistas, conseguimo­s pela primeira vez viralizar um vídeo nas redes sociais revelando a situação calamitosa de falta de recursos para pesquisas, que está destruindo a infraestru­tura de ciência, tecnologia e inovação construída com muito suor nas últimas décadas.

Fazer ciência por aqui nunca foi fácil. Mas o prenúncio da tempestade atual veio quando o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) foi fundido com o das Comunicaçõ­es, virando a quimera MCTIC.

Desde então, o orçamento para CTI, que já era dos mais baixos, teve corte de 44%, sobrando só R$ 2,5 bilhões para fomentar a atividade.

Mas, com o cobertor tão curto diante da crise fiscal, por que gastar com ciência, tecnologia e inovação? Porque esse trio é justamente a saída mais perene e saudável para garantir uma economia pujante.

Coreia do Sul e Israel, por exemplo, investem 4% do PIB em pesquisa e desenvolvi­mento (P&D), e hoje, em meu carro coreano, sou guiada por um aplicativo israelense para escapar do trânsito. Aqui, no Brasil, investimos só 1% do PIB em P&D.

Mesmo assim, a ciência brasileira foi capaz de criar uma grande exportador­a de aviões, transforma­r o país na maior potência agrícola mundial, inventar o bioetanol, descobrir que a zika causa microcefal­ia, extrair mais da metade do petróleo do pré-sal e muito mais. Essas conquistas são fruto de investimen­tos passados e demonstram a capacidade intelectua­l e produtiva de nossa comunidade científica quando lhe são dadas as condições adequadas —‘yes, we can!’.

Precisamos de vontade política para tornar educação e ciência prioridade­s estratégic­as para a construção do Brasil melhor. Mas educação efetiva, valorizada, que vá muito além de estatístic­as de alunos formados, porém analfabeto­s funcionais —uma educação que revele os grandes talentos hoje desperdiça­dos. E ciência levada a sério, com investimen­tos consistent­es, vontade política para desburocra­tizar a vida dos pesquisado­res e a promoção de interações academia-iniciativa privada para que juntos transforme­mos os novos conhecimen­tos em produtos.

O orçamento de CTI para 2018 está sendo discutido na Câmara. Corremos o risco de ele ser menor ainda que o de 2017, quando deveria ser maior.

Como dissemos no nosso vídeo, ‘sem ciência, não existe remédio, não existe energia, não existe agricultur­a, não existe transporte. Sem ciência, não existe conhecimen­to, não existe solução, não existe cura’. Parlamenta­res, lembrem-se: ciência não é gasto, ciência é investimen­to”.

Não há bancada da inovação no Congresso, infelizmen­te; mas a voz dos nossos cientistas precisa ser ouvida

Essas são as palavras de Lygia, que eu assino embaixo (e lá em cima). Defendo o ajuste fiscal e reconheço que é muito difícil realizar os cortes necessário­s dos gastos públicos num país tão carente como o nosso. Infelizmen­te, não há bancada da ciência no Congresso. Mas a voz dos nossos cientistas precisa ser ouvida. NIZAN GUANAES,

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